Palestra
proferida em 04 de abril de 2008 na Confederação
das Academias de Letras e Artes do Brasil - CONFALB, em solenidade
de posse do Procurador Geral do Município de Saquarema - RJ,
Dr. ANTONIO FRANCISCO ALVES NETO (Saquarema – RJ) e da Professora
e Artista Plástica ANDREIA DONADON LEAL (Mariana – MG),
na categoria de Membros Efetivos Correspondentes da Academia de Letras
Rio - Cidade Maravilhosa.
Profa e
acadêmica Drª Maria Amélia Amaral Palladino
A
Minha Pátria é a Língua Portuguesa
Profa
e acadêmica Drª Maria Amélia Amaral Palladino
“Não
nos podem ensinar nada cuja idéia não tenhamos já
em nossas mentes”(Leibniz).
Linguagem
como enunciação.
Ao
aceitar o honroso convite para participar desta sessão acadêmica
da modelar Academia de Letras Rio-Cidade Maravilhosa, questionei-me
sobre o que poderia apresentar a tão insigne platéia.
De novo, nada. De acréscimo a seus conhecimentos, também
nada. Mas de pessoal, talvez alguma coisa que pode suscitar concordância
ou discordância, mas que terá, sempre, o mérito
de levantar a questão do uso da língua, mais uma vez.
Meu primeiro objetivo é “despertar e
desenvolver nos meus próximos a consciência da Língua
Portuguesa como veículo de comunicação das Nações
e Comunidades lusófonas e dos Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa( Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique
e S. Tomé e Príncipe), Goa (Ásia), Timor Leste
(Oceania)”.
Entendo como a função precípua
da língua: ser veículo de comunicação. E
como tal deveria ser, acima de tudo, utilizada: como enunciação,
o que significa expressão, declaração, proposição,
de acordo com Aurélio Buarque de Holanda.
Disciplinada professora de Português, no início
da atividade profissional, tinha uma conduta mais rígida em relação
à observância do conteúdo programático, com
suas regras, complexidades e estratégias discutíveis.
A vivência e a convivência com alunos alargaram-me os horizontes
relativos à concepção de língua e de ensino
de língua.
Não me tornei contrária ao ensino do
português-padrão. Absolutamente. A tese de que não
se deve ensiná-lo baseia-se num preconceito, segundo o qual seria
difícil aprendê-lo. Isto é falso, tanto do ponto
de vista da capacidade dos falantes quanto da grande complexidade de
um dialeto padrão. Apenas poderia ser evitada uma maneira exageradamente
ortodoxa de ensinar-se a língua materna, a obsessão gramaticalistica,
o esquecimento a que se relega a prática da língua e,
mais que tudo na opinião do eminente Prof. Celso Pedro Luft,
mestre em Letras na PUC-RS e livre-docente em Língua Portuguesa,
por longos anos na Universidade Federal do R.Grande do Sul , deve-se
combater a postura opressora e repressiva, alienada e alienante desse
ensino, como em geral de todo o nosso ensino em qualquer nível
e disciplina”.
Talvez
assim, em não havendo tal radicalismo, um número bem maior
de jovens apreciasse o ensino dessa matéria, que deveria ser
sempre prestigiada, pois lida com nosso instrumento de expressão
mais pessoal; o fracasso desse ensino, comprovado em concursos, talvez
diminuísse; o eventual desânimo dos professores dessa matéria
desaparecesse.
Esclarece, ainda, o ilustre professor: Qual a razão
de ordem científica para exigir que alunos dominem formas arcaicas
que nunca ouvem e que pouco encontram nos textos escritos mais correntes?
Respondemos; Isso deveria ser objeto, apenas, da atenção
dos que pretendem ser especialistas no assunto. Fá-lo-iam com
prazer, e é o gosto pelo estudo que o torna atraente e agradável
aos sentidos. Em geral, desaprendemos o que aprendemos sem motivação.
Dessas idéias compartilha um outro ilustre
mestre, Prof. Sírio Possenti, do Instituto de Estudos Lingüísticos,
da UNICAMP. Ouçamo-lo: “Gastar um tempo enorme com regências
e colocações inusitadas é, a rigor, inútil.
A prova é que a maioria não aprende tais formas. Há
boas justificativas para defender a hipótese de que isso não
deveria ser importante na escola. Não se trata de preconceito
contra o domínio das formas mais escorreitas, mas de não
haver preconceito contra o domínio e a utilização
de vocábulos informais. Estas formas, na verdade, são
hoje consideradas corretas, porque já são faladas e escritas
pelas pessoas cultas do país”.
Na realidade, se entrevistarmos algum dos nossos grandes
escritores, dificilmente ele nos dirá que consulta gramáticas
regularmente quando escreve.O inverso, talvez, seja mais comum: os gramáticos
– diga-se de passagem, com muita simplicidade, - costumam pinçar
frases ou expressões encontradas em obras famosas e, daí,
enunciarem novas regras...
A boa comunicação verbal não
implica, obrigatoriamente, a cansativa memorização de
regras de linguagem que, geralmente, em nossas escolas, tomam o lugar
do que deveria ser o agradável conteúdo das aulas de Português:
leitura, comentário, análise e interpretação
de bons textos, nos quais aplicar-se-ia o estudo da gramática,
e a prática constante da redação.
Os jovens de hoje não gostam de ler e alguém
já disse: Quem não lê na vê, não ouve,
não sabe...
Há várias razões para este descaso com a leitura.
Uma delas, sem dúvida, acontece pela indicação
inadequada de literatura pelo próprio professor ou, até,
pela família. Jamais um aluno do curso fundamental irá
apreciar Machado de Assis. Ele não terá maturidade para
absorver seu estilo irreverente, coloquial, seu ceticismo, sua ironia...
Um dos grandes iniciadores e estimuladores da aplicação
das regras gramaticais dentro dos textos foi o antigo Prof. Papini,
que era mestre no DASP, o qual preconizava o estudo da gramática
através da língua e, não, a língua através
da gramática.
Temos que ser práticos, mas sem desrespeitar
a nossa língua-mãe, a nossa língua pátria.
Vivemos na era da tecnologia. Além do rádio, da tv, das
calculadoras e dos vídeos, são inúmeros os atrativos
meios de comunicação, de lazer ou de trabalho dentro e
fora das casas: o computador, a internet, os rádios receptores
e transmissores (mais conhecidos por “pagers”), os celulares
miraculosos, os jogos eletrônicos, as mil máquinas instaladas
em agências prestadoras de serviços... Ouvi,
uma vez, um jovem de classe média dizer: ”Agora, não
preciso estudar português, porque não erro mais nada. O
computador corrige para mim...
Sobre os corretores ortográficos dos editores
de texto, vale ressaltar que o uso dos mesmos não dispensa o
conhecimento da gramática, nem mesmo do tradicional ‘pai
dos burros’ , na versão original, impressa em papel, ou
mesmo, virtual, disponível para instalação no computador
ou, apenas para consulta, no CD-Rom.Essa atenção no uso
do corretor se deve ao fato de que, mesmo encarregando-se de marcar
todos os erros que surjam durante a digitação, vários
detalhes podem passar despercebidos...
Uma falha importante para o usuário é
a correção automática sem questionamento do erro,
ou seja, não se aprende por que errouy, nem qual a razão
da grafia correta. Apenas se lança mão da versão
certa para o vocábulo e...pronto! Como em um passe de mágica,
o texto está indefectível...
Mas será que está? Não, pois
o corretor ortográfico pode detectar palavras com erros ortográficos,
com base, apenas, em padrões que conhece. É como a velha
consulta ao dicionário nos tempos de escola. Quem usa um dicionário
de bolso limita-se a um número de palavras bem inferior. Já
quem pega “pesado”, literalmente, e vai à prateleira
em busca de um dos volumes do dicionário tradicional tem muito
mais chances de encontrar a palavra, expressão ou, até,
variações e neologismos. Tudo vai depender da versão
consultada: quanto maior e mais atual o banco de dados, maiores as chances
de sucesso.
Ainda há que se prestar atenção
às palavras homônimas pois a versão virtual da cartilha,
não faz distinção entre elas como ocorre no papel.
Ou seja, quem escrever que vai ao cinema, na “seção”
das oito terá seu texto aprovado, uma vez que o corretor apenas
verifica que existe a palavra “seção”, grafada
com ç, mas não distingue se o redator se refere a departamento,
faixa de horário ou ao ato de ceder.
Porém, desativar esses corretores não
se mostra uma solução para todos os problemas, visto que
muitos erros são ocasionados por falhas de digitação,
por falta de habilidade no uso do teclado ou por simples falta de atenção.
Há que se ver as novidades da informática como um benefício
e não como um estímulo à lei do menor esforço.
Não há necessidade de radicalismos e, sim, de usa-las
como ferramentas de apoio e não substitutiva ao conhecimento
da Língua Portuguesa.
O talento de bem falar e escrever tem a ver com a
gramática natural, o sistema de regras que formam a estrutura
da língua, e que os falantes interiorizam, ouvindo e falando,
evitando-se o acúmulo de regras coercitivamente impostas aos
alunos, num método que, normalmente, ignora variantes idiomáticas,
ajustamentos às circunstâncias da comunicação
etc...
Logicamente, não se deve excluir, a par de
exercícios de variabilidade expressional, paráfrases e
outros, o que é básico: a ortografia, a concordância
nominal e verbal ( hoje tão relegada a 2o. plano), enfim, jamais
se desprezariam as regras básicas que contribuem para a eficiência
comunicativa, mas as que embaraçam e atravancam a comunicação.
Há cerca de 10 anos, Luiz Fernando Veríssimo
escreveu uma crônica com o título: ”O gigolô
das palavras”, na qual ele relata a visita de alguns grupos de
alunos a sua casa, com o intuito de saber se ele considerava o estudo
da gramática indispensável para aprender e usar uma língua.
Vale a pena transcrever alguns trechos desse bem-humorado cronista:
”A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios”.
Remontando aos tempos de antanho, quis ele dizer que é o “usus,
jus et norma loquendi”, (o uso, o direito e a norma de fala),
citação de Horácio, em sua “Ars Poética”.
É a norma consuetudinária, respeitada desde a história
romana.
Continua Veríssimo: “O importante é
comunicar. (E, quando possível, surpreender, iluminar, divertir,
comover...)” E, ainda: tenho pouca intimidade com a gramática
e, no entanto, ganho a vida escrevendo, apesar da total inocência
na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às
suas custas. Abuso delas. Só uso as que conheço, as desconhecidas
são perigosas e potencialmente traiçoeiras...”
Dispensam-se quaisquer interpretações, mas o cronista
citado escapa, por sua simplicidade, ao comentário do filólogo
e prof. Gladstone Chaves de Mello, na obra “Iniciação
à filologia portuguesa”: “A maior parte das pessoas
ditas cultas, entre as quais se encontram até escritores oficialmente
estabelecidos, escrevem mal, viciosamente, pobremente, canhestramente,
são incapazes de encontrar a forma adequada à expressão
do pensamento ou do sentimento.” Mais uma vez, a adequação
comunicativa é posta em destaque.
Será que apenas escritores brasileiros pensam
assim? Certamente, não. Consultemos os lingüistas Fernanda
Irene e Joaquim Fonseca, profs. Da Faculdade de Letras do Porto, em
cujo livro “Pragmática Lingüística e Ensino
do Português” o 1o. da coleção Lingüística
e Pedagogia”, publicado em Coimbra, nos anos 90, assim se expressam:”a
lingüística tem avançado na caracterização
da capacidade de linguagem e do saber lingüístico do falante,
destacando ultimamente como elemento fundamental não apenas o
aspecto criativo como também a adequação realizada
em cada momento de exercício lingüístico.”
As palavras-chave são as mesmas: saber lingüístico
do falante; aspecto criativo; adequação; dimensões
social e individual; uso.
E continuam os professores: ”Podemos dizer que
se estrutura, hoje, uma linguística da fala com base nas investigações
que se repartem pela antropologia cultural, pela etno-linguística,
pela psicolingüística, teoria da enunciação,
análise do discurso, etnografia da comunicação
e, ainda, pela pragmática linguística.”
Brasileiros e portugueses em consonância...Mas
não somente eles ...Há muitos anos atrás, o franco-suíço
Ferdinand de Saussure (1857-1913) falava em ‘LANGUE-PAROLE’.
E Noam Chomsky, americano nascido em 1928, lingüista pesquisador
do MIT- Massachussets Institute of Technology- fez a dicotomia fundamental
entre competência e desempenho. O 1o. termo refere-se à
capacidade, em si, de os humanos se comunicarem por meio de sinais vocais;
o 2o., ao comportamento lingüístico, efetivo dos atos da
fala, às utilizações circunstanciadas das virtualidades
da língua.Há uma competência universal, que se refere
ao domínio de regras gerais inatas, e competência particular,
que compreende o domínio de um sistema de regras específicas
de uma língua, interiorizado pelo “falante-ouvinte”,
(expressão de Chomsky), graças à sua convivência
lingüística, o que significa o conhecimento de sua língua
nativa ou de outras que for adquirindo ao longo da vida.
Não se pode desprezar o conhecimento lingüístico
de um eventual receptor, independentemente de faixa etária ou
nível sócio-cultural, nem se deve trabalhar um texto de
forma que se perceba somente o nível da frase. Respeitem-se a
capacidade inferencial do leitor, bem como sua possibilidade de perceber
o texto como uma unidade de sentido. A evolução da língua
vai depender da região onde ela é falada e do ambiente
sócio-cultural do receptor. Como há diferentes níveis
de evolução, haverá ,sempre, uma diferença
a ser dirimida ou minimizada, de tempos em tempos. É um aspecto
dinâmico! Muitos outros autores poderiam ser citados nesta modesta
contribuição, cuja única pretensão seria,
no momento em que se procura unificar a língua escrita em todo
o mundo lusíada, a sugestão de que, tanto aqui como em
Portugal, África, Ásia ou Oceania, se prosseguisse na
renovação dos estudos literários e dos métodos
didáticos da língua portuguesa, para que ela seja, realmente,
um veiculo claro e seguro de comunicação entre os numerosos
povos que a usam.
Essa renovação já vem acontecendo
há longos anos, passo a passo, como lembra o Professor Maximiano
de Carvalho e Silva, no prefácio de “ Lições
de Português”, edição comemorativa do centenário
de Sousa da Silveira. A esse precursor da renovação da
língua, o Prof. Maximiano assim se refere: “ A sua excelente
formação humanística e aguda inteligência
fizeram-no logo compreender que os fatos da língua tinham que
ser observados na fala comum e nos textos dos bons autores. Opôs-se
ao dogmatismo da corrente purista e desfez preconceitos gramaticais
estilísticos e literários de larga divulgação
na época.”
Num estilo mais incisivo, Manuel Bandeira se refere
ao mesmo grande mestre como aquele “que se situa a mil léguas
da caturrice gramatical que dominava o estudo do português quando
éramos meninos.”
Tudo isso ilustra, reafirma, reitera a convicção
de que linguagem é interação, é atividade
enunciativa e o texto é um ato de enunciação, uma
atividade lingüística. Interação é
agir sobre nós mesmos, sobre o outro (nosso interlocutor), sobre
a realidade circundante, sobre a própria linguagem. Essa ação
não se constitui livre e gratuitamente, mas determinada pelas
circunstâncias em que ocorre: o contexto histórico-social;
a situação imediata; os objetivos (informar, divertir,
ilustrar, analisar, convencer, convocar etc) e o conhecimento dos interlocutores,
seus gostos, interesses, expectativas.
Devemos destacar que o domínio da língua
é extremamente importante no campo científico, onde a
exclusão de algum elemento ou a expressão incompleta ou
insuficiente é incapaz de definir um fenômeno ou um fato.
E é por esta razão que se diz historicamente:
“Omnia definitio periculosa est “. Não é só
a incapacidade cientifica é, também, a incapacidade verbal
ou lingüística de fazê-lo.
Isto
posto, resta-nos avaliar o outro lado da questão, que não
diz respeito à informalidade do uso do Português, mas ao
mau uso da língua. O fato de aceitar-se o emprego de uma linguagem
informal, atual, descontraída, “adequada à expressão
do sentimento e do pensamento”, como diz o Prof. Gladstone , não
significa aplaudir o empobrecimento cada vez maior dos vocábulos,
o uso abusivo e indiscriminado do palavrão e da gíria,
o desleixo quanto à concordância verbal e nominal, o desconhecimento
inaceitável de certas formas verbais de uso corrente, enfim,
fatores que contribuem para desvalorização da língua
pátria, descaracterizando o nosso maior instrumento de expressão.
É certo que não podemos exigir tal postura
de todos os grupos sociais, mas, pelo menos de parte da classe média,
que acha tolice ou esnobismo, expressar-se corretamente. Ouvi, uma vez,
um comunicador de grande audiência, dizer em seu programa diário
na televisão: “Eu sei que o certo é um grama, mas
acho esquisito, e só falo uma grama.” Perdeu-se a oportunidade
da divulgação de um acerto gramatical por causa de uma
tolice do comunicador.
A linguagem dos jovens de hoje é, totalmente
descompromissada com as mais elementares regras gramaticais. Ou vêem-se,
nas melhores universidades do país, pérolas como estas:
“Fulano, tu vai ao aniversário da Fulana ?” .“
Isto é para mim fazer?” E as interjeições
usadas por eles e, também, por muitos adultos são os palavrões.
É isso: palavrões viraram interjeições,
vocativos , apostos....
Não podemos deixar de reconhecer que o uso contumaz desses recursos
revela um descaso inaceitável com a nossa língua, a língua
de Bilac, de Machado de Assis, de Camões, de Fernando Pessoa,
a língua falada por mais de 200 milhões de pessoas, a
quinta em todo o mundo e a terceira, no Ocidente.
Usar e abusar da gíria e do palavrão,
consignam de forma incontestável, a incapacidade de comunicação
em sua plenitude. Nosso vocabulário é farto, rico, e a
linguagem define o tipo de pessoa que a usa .
Uma
língua que é falada em cinco continentes por grandes populações
ou modestos povos, como brasileiros, portugueses, angolanos, caboverdianos,
moçambicanos, e em diferentes países, como a África
do Sul, o Senegal e a Namibia, uma língua como esta deve ser
mais respeitada e amada. É através dela que temos a nossa
identidade, que registramos documentos, que contamos a história,
pessoal ou não, de vitórias e derrotas, em que cantamos,
em que rezamos, em que escrevemos nossos fatos folclóricos, culturais,
em que traçamos nossos ritos diplomáticos, enfim, a língua
portuguesa é a nossa pátria, como disse o imortal Fernando
Pessoa.
Por
isso mesmo, devemos mantê-la em seu honroso posto de guardiã
da unidade nacional em tantos continentes de língua lusíada.
Assim como ela veio do Latim, igualmente dela provieram filhotes –
os crioulos – línguas espontâneas, surgidas na América,
na África e na Ásia, para serem um instrumento de comunicação
em comunidades que se caracterizam pelo uso de muitas línguas.
Por que, então, relegá-la a segundo
plano, desvalorizando-a ou substituindo-a por termos estranhos a nós,
oriundos de línguas estrangeiras, como principalmente o Inglês
e o Francês ?
Vivemos em um mundo do Out-back, do Free Shop, do
Home Theater, do souvenir, da griffe, do croissant, do buffet mas o
Italiano e o Espanhol também têm o seu espaço, principalmente
quando o assunto é alimento, por exemplo.
Muitos
termos já estão aportuguesados, como boxe, surfe, paetês,
chique, charme, turnê, purê, estrogonofe, então são
nossas palavrinhas “imigrantes”, tratemo-las bem,.mas nada
justifica o domínio do Inglês, como em certos casos: Shopping
Downtown, Lounge 69, The House, New York City Center, Fashion Mall,
Rio Design e outros.
Se a língua portuguesa é a nossa pátria,
por que não lhe darmos mais atenção e respeito?
Amemos
a nossa língua, idioma que nos une, que nos faz entender o irmão,
que nos faz exteriorizar o cabedal que conseguimos adquirir, transmitindo-o
ao próximo e descortinar ao mundo os mais profundos sentimentos,
quando somos poetas. Se Fernando Pessoa a considerou sua pátria,
se Camões a exaltou em admiráveis versos, nossos poetas
brasileiros também nela encontraram força inspiradora.
Respeitemo-la, com o amor que eles lhe dedicaram, com o fervor com que
eles a absorveram, com a dignidade com que a praticaram. Disso é
prova este magnífico soneto do nosso poeta condoreiro, Olavo
Bilac, apóstolo da justiça social, alma transbordante
de amor pela pátria, pelo próximo, por sua língua.
LÍNGUA
PORTUGUESA
Última
flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela ...
Amo-te
assim,desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o tom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura.
Amo
o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em
que da voz materna ,ouvi: ‘ meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
Rio de Janeiro, 04 de abril de 2008.