Em
Cerimônia Solene presidida pela presidente em exercício
Maria Conceição
Antunes Parreiras Abritta,
Andreia Donadon Leal tomou posse como Acadêmica Benemérita
da Academia Feminina Mineira de Letras, no dia 17 de setembro de 2009,
às 15 horas, apresentada pela acadêmica Angela Togeiro,
Secretária Geral da entidade.
Cely
Vilhena, Presidente Emérita da AFEMIL, fez um brilhante discurso
de recepção, que analisou a obra de Andreia Donadon Leal,
de escritora e de artista visual, endossando suas características
aldravistas. Além das acadêmicas, estiveram presentes na
cerimônia escritoras, Secretária e Diretora de Cultura
de São Gonçalo do Rio Abaixo; Acadêmico da AMULMIG,
César Vanucci; Presidente da Associação Mineira
de Imprensa, Wilson Miranda; acadêmicos da Academia de Letras
do Brasil - Mariana e do Jornal Aldrava Cultural, Hebe Rôla, Gabriel
Bicalho e J. B. Donadon-Leal, representantes culturais de Alvinópolis
e de santa Bárbara.
Mesa oficial
Angela Togeiro, Andreia Donadon Leal, Cely Vilhena,
Maria Conceição Antunes Parreiras Abrita, Maria Laura
Pereira da Silva Couy e Lívia Pauline
Maria Conceição
Antunes Parreiras Abritta faz leitura do Diploma
Acadêmica exibe seu diploma ao lado de J. B. Donadon-Leal
Acadêmica Cely Vilhena faz Discurso de Recepção
a Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal faz discurso
Sede da AFEMIL completamente lotada na Cerimônia de Posse de Andreia
Donadon Leal
Vico Uai Gomide, Míriam Blonski, Hebe Rôla, Francirene
Gripp, Andreia Donadon Leal,
Angela Togeiro, Conceição Piló e Gabriel Bicalho
Discursos:
A
Importância da Mulher nas Letras
Andreia
Donadon Leal
(Discurso proferido por ocasião de sua posse na
Academia Feminina Mineira de Letras,
em 17 de setembro de 2009.)
Antes
de iniciar breve discurso sobre a importância da mulher nas letras,
cito um dos escritos de Santa Clara, Patrona dessa Renomada Casa de
Letras; terceira carta dirigida a Santa Inês de Praga em 1238,
que continha uma oração de sua alma poética e espiritual
clariana, figurada na essência da vida:
"Ponha a mente no espelho da eternidade, coloque a alma no
esplendor da glória. Ponha o coração na figura
da substância divina. E transforme-se, inteira, pela contemplação,
na imagem da Divindade. Desse modo também você vai experimentar
o que sentem os amigos quando saboreiam a doçura escondida, que
o próprio Deus reservou desde o início para os que o amam."
Gênesis cita a criação da mulher
por Deus. Nome: Eva. "Não é bom que o homem esteja
só", segundo passagem marcante do Criador. Pela primeira
vez, encontramos a citação de outro ser humano na vida
do homem. Sem companhia feminina e parceira para a reprodução,
o homem não poderia realizar sua humanidade, dar continuidade
à existência e à vida. Dessa necessidade surge a
criação da mulher que será companheira e esposa
de Adão.
Durante milênios a mulher foi predestinada e
vista como objeto a ser moldado para obedecer ao que era pregado pelas
ordens religiosas: satisfazer as expectativas dos pais e posteriormente
do marido, que era escolhido por sua família.
Na Idade Média a influência social da
igreja reforçava a idéia de superioridade do homem, limitando
a possibilidade do ingresso feminino ao campo do saber e ao domínio
das habilidades de leitura e escrita, com a justificativa de que tais
saberes eram necessidades e competências essencialmente masculinas.
As relações entre homens e mulheres foram marcadas pela
dominação do masculino sobre o feminino e, no que se refere
ao acesso à educação, à possibilidade da
mulher se alfabetizar, o mesmo acontecia. Vontade própria e demonstração
real de sentimentos eram aspectos a serem ocultados pelo universo feminino.
Na educação, eram ensinadas, desde criança, para
as funções de esposa, mãe e dona-de-casa, enquanto
os meninos, para ser o chefe da casa e da família. Esse contexto
sócio-histórico-cultural sofre pouca alteração
ao longo dos séculos, mas com o advento do cinema, após
a década de 50, o comportamento feminino começa a ser
modificado: moças passam a espelhar suas atitudes nas que eram
apresentadas pelas telas, numa afronta aos bons costumes. Outro fator
foi à propagação da literatura no país.
Folhetins, jornais e revistas trouxeram certo desconforto aos lares,
pois tudo o que era lido pelas moças precisava ser, antes, policiado
para que, da mesma forma que o cinema, não subvertesse o comportamento
até então idealizado.
Quando examinamos a história da intelectualidade
brasileira, especialmente a que compreende o período do século
XIX e início do XX, percebe-se que, tradicionalmente, ela se
estruturou a partir do cânone de textos consagrados de autoria
masculina. São do século XIX os primeiros textos escritos
por mulheres brasileiras que têm alguma divulgação
entre o público letrado. Até lá, nos tempos coloniais,
a mulher nada escreve, ou escreve, mas os textos não aparecem,
ou aparecem como exceção, entre maioria quase absoluta
de textos escritos por homens.
“...
A civilização ocidental foi construída incorporando
o patriarcalismo, que criou e institucionalizou direitos dos homens
de modo a estabelecer formas de dominação sobre as demais
parcelas da sociedade, a literatura produzida, principalmente a de autoria
masculina, reproduz esta ideologia, na qual a mulher é considerada
hierarquicamente inferior e cujas funções essenciais são
ser reprodutora da espécie e socialmente submissas”.
(João Marcelo Trindade da Silva - 2008)
A literatura feminina dos anos 20 não teve
o mesmo vigor e divulgação que as artes plásticas
produzidas pelas mulheres neste mesmo período, embora não
tenha sido suficientemente examinada. Anita Malfatti, em 1917, com seus
desenhos e óleos de cunho expressionista e cubista, inaugurava
o modernismo, chocando a opinião pública de concepção
mais conservadora, desagradando a gregos e a troianos; com ela já
estava feita a primeira revolução nas partes plásticas
brasileiras.
Outra artista que merece destaque é Tarsila
do Amaral, que mostrava sua adesão as idéias modernistas
defendidas pelo escritor Oswald de Andrade em um texto de 1928, o Manifesto
Antropófago. Os trabalhos de Tarsila confluem a distorção
dos elementos plásticos, resultado de um confronto entre sua
aprendizagem cubista no período em que estudou na França
e o seu fascínio pelas formas e cores da cultura de tipos locais
como o negro, o caipira e o índio brasileiros.
No final da década de 20 surge Patrícia
Galvão, chamada de Pagu, e iria escrever, em 1931, com pseudônimo
de Mara Lobo, um romance intitulado Parque Industrial, publicado dois
anos mais tarde. Eis uma frase de Pagu que elucida a trajetória
da mulher na conquista de seu espaço na sociedade, no mundo letrado
e político:
“É difícil para uma mulher/interpretar uma peça
toda. A peça é a minha vida,meu ato solo”.
Um outro poema, intitulado “CANAL”, publicado
na Tribuna, Santos-SP, em 1960, Pagu retrata o mundo da privacidade
recalcada e mórbida da mulher, em seu espaço social de
que se vê na maioria das vezes como um canal, extensão
de Adão, que é filho de um Deus masculino, servindo para
reprodução, para as funções de esposa, de
mãe, de dona-de-casa, destinada a dar passagem ou um caminho;
um ser intermediário, sem vontade, criatividade, pensamentos
e esperanças.
CANAL
Nada
mais sou que um canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal
Sabem vocês o que é ser um canal?
Apenas um canal?
Evidentemente
um canal tem as suas nervuras
As suas nebulosidades
As suas algas
Nereidazinhas verdes, às vezes amarelas
Mas por favor
Não pensem que estou pretendendo falar
Em bandeiras
Isso não
Gosto de bandeiras alastradas ao vento
Bandeiras de navio
As ruas são as mesmas.
O asfalto com os mesmos buracos,
Os inferninhos acesos,
O que está acontecendo?
É verdade que está ventando noroeste,
Há garotos nos bares
Há, não sei mais o que há.
Digamos que seja a lua nova
Que seja esta plantinha voacejando na minha frente.
Lembranças dos meus amigos que morreram
Lembranças de todas as coisas ocorridas
Há coisas no ar...
Digamos que seja a lua nova
Iluminando o canal
Seria verde se fosse o caso
Mas estão mortas todas as esperanças
Sou um canal.
Cecília
Meireles, um dos nomes mais destacados da poesia em língua portuguesa,
por sua qualidade poética, marcou a história de nossa
poesia no século XX, nos versos líricos de traços
místicos, aos fatos e à História que se revela
no Romanceiro da Inconfidência, um dos pontos altos de seu trabalho
e sua dedicação ao público infantil nos clássicos
Ou isto ou Aquilo, de 1964.
Rachel de Queiróz, que em 1977 passou a integrar a Academia Brasileira
de Letras, rompendo barreiras naquele seleto reduto masculino. Autora
de uma vasta obra literária fez por merecer esse lugar notório
na academia não por ser mulher, mas por ser um expoente da literatura
universal.
A História da mulher na vida literária brasileira é
um assunto vastíssimo e tem sido alvo de inúmeras pesquisas
nos meios universitários brasileiros, segundo Dra. Constância
Lima Duarte, organizadora da Antologia “Mulheres em Letras”,
Editora Mulheres, 2008. O objetivo do volume é o preenchimento
da lacuna bibliográfica referente às escritoras mineiras:
ficcionistas e poetisas, das antigas às contemporâneas.
A antologia inicise com Bárbara Heliodora, Beatriz Brandão,
Presciliana Duarte, consideradas precursoras das primeiras páginas
da literatura mineira representantes da nova geração,
como Malluh Praxedes, Maria Esther Maciel e Ana Maria Gonçalves.
“... Os diferentes gêneros literários estão
representados. Memorialismo: Helena Morley, Carolina Maria de Jesus,
Maura Lopes e Maria Helena Cardoso. Poesia: Henrique Lisboa, Laís
Corrêa de Araújo e Adélia Prado, dentre outras.
Ficção: Oneyda Alvarenga, Vilma Guimarães Rosa,
Rachel Jardim, Maria José de Queiroz, Julieta Drummond de Andrade
e Lúcia Miguel Pereira. Literatura infanto-juvenil: Lúcia
Machado de Almeida. Produção literária afro-brasileira:
Conceição Evaristo, Ana Cruz, Jussara Santos e Íris
Amâncio. E ainda temos escritoras das Academias Mineiras de Letras,
e da Universidade Federal de Minas Gerais, como Yeda Prates, Branca
Maria de Paula, Ruth Silviano Brandão e Sônia Queiroz”...
(Dra. Constância Lima Duarte, 2008)
Encontramos na crônica “Os Homens e Seus
Medos”, de Moacyr Scliar (2008) um discurso importante sobre a
figura feminina na sociedade. Nesse texto percebemos um discurso diferente
do apresentado na Idade Média, em relação ao perfil,
às competências e as obrigações impostas
às mulheres; o heroísmo é desmascarado na crônica,
desmitificando a condição heróica e endeusada do
homem como ser superior. Talvez o autor tenha colocado o verdadeiro
valor do ser humano e citado a força e heroísmo DA MULHER
em relação aos dissabores, as intempéries, diante
de inúmeras ocasiões inusitadas da vida. Diz Scliar:
“Homens têm medo. Melhor dizendo, homens têm medos,
vários tipos de temores. Não apenas os habituais: medo
da morte, medo da doença, medo de assalto, medo do toque retal
para exame da próstata. Homens têm medos mais sutis, muitos
deles relacionados às mulheres. Poderia parecer um paradoxo,
visto que as mulheres são habitualmente rotuladas como frágeis.
Mas mulheres estão longe de ser frágeis, sobretudo as
mulheres de hoje, valentes, determinadas, mulheres que lutam por seu
lugar no mercado de trabalho e que inclusive vivem mais que os homens.
Os homens têm medo de se envolver com mulheres, têm medo
da intimidade, têm medo de perder o mítico poder masculino”...
“... Por estranhos e penosos que possam parecer os mitos e temores,
eles têm pelo menos uma vantagem: mostram que somos todos, homens
e mulheres, frágeis, e que a única maneira de vencer nossa
fragilidade diante dos agravos da vida, diante da doença e da
morte, é pela união entre as pessoas...”
Finalizo discurso complementando o sentido, ou seja,
uma leitura reflexiva sobre a crônica de Moacyr Scliar, citando
Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia
Gonçalves Pinto, nascida em 1810, considerada uma das pioneiras
do feminismo no Brasil, a romper os limites entre os espaços
público e privado publicando textos em jornais. Dirigiu também
um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros
em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos.
Entre seus vários livros publicados estavam Conselhos à
minha filha (1842), O Modelo das donzelas (1847), A lágrima de
um Caeté (1849) e outros. Diz ela:
“Nenhuma diferença existe entre a alma de um tolo e
de um homem de espírito, ou de um ignorante e de um sábio,
ou a de um menino de quatro anos e um homem de quarenta. Ora, como esta
diferença não é maior entre as almas dos homens
e das mulheres, não se pode dizer que o corpo constitui alguma
diferença real nas almas. Toda sua diferença, pois, vem
da educação, do exercício e da impressão
dos objetos externos, que nos cercam nas diversas circunstâncias
da vida”.
Somos todos iguais, independente de sexo, de cor,
de crença. Prosperidade e vida imortal a todas as mulheres que
continuam conquistando com brilhantismo, espaço na produção
artística, dando um toque feminino na construção
cultural da humanidade.
Muito obrigada.
Referências
Bibliográficas:
DUARTE, Constância Lima. Antologia de Escritoras Mineiras –
organizadora. Florianópolis: Editora Mulheres,
2008.
SCHWANTES, Cíntia. Espelho de Vênus: questões da
representação do feminino. In: GT A mulher na literatura/ANPOLL.
Santa Catarina: UFSC, 2002.
WANDERLEY, Márcia Cavendish. Imagens da mulher na ficção
feminina pós-64. In: Revista mulheres e literatura.
Volume 2. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998.
Scliar, Moacyr – Os Homens e seus medos. In: Site da Academia
Brasileira de Letras - Rio de Janeiro. Disponível
em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?from_info_index=41&infoid=8133&sid=619
In: Irmãs Clarissas CapuchinhasFlores da Cunha - Rio Grande do
Sul – Disponível em: http://www.sitenarede.com/irclarissacap/escritos_de_santa_clara