Registrada em 06 de abril de 2009

A ALACIB é uma Associação Literária sem fins econômicos, com sede e foro em Mariana, Minas Gerais, CNPJ 10778442/0001-17. Tem por objetivo a difusão da cultura e o incentivo às Letras e às Artes, de acordo com as normas estabelecidas no seu Regimento. Registrada em 06 de abril de 2009.

Diretoria da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil
Presidente: Andreia Aparecida Silva Donadon Leal
Vice-Presidente: J.S. Ferreira

Secretário-Geral: Gabriel Bicalho
Tesoureiro: J. B. Donadon-Leal
Promotora de Eventos Culturais: Hebe Maria Rôla Santos
Conselho Fiscal e Cultural: José Luiz Foureaux de Souza Júnior, Magna das Graças Campos e Anício Chaves

Acadêmica CLÁUDIA GOMES DIAS COSTA PEREIRA
Cadeira nº 08
Patrona: Beatriz Brandão


 

Notas Biográficas de Cláudia Gomes Dias Costa Pereira

Cláudia Gomes Dias Costa Pereira. Nasci no Rio de Janeiro, sob as bênçãos do Cristo Redentor, do samba marcado do Império Serrano e do Jongo da Serrinha, tradição herdada dos escravos que construíram este país. Na Cidade Maravilhosa comecei a trabalhar ainda criança, ajudando em escola infantil vizinha à minha casa. Crescida, fui estudante de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro, vendedora, bancária e fervorosa sindicalista. Desde então, adorava poesia!
Por conta do amor, aquele que nos é fundamental, casei-me e vim morar em Ouro Preto, Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade. E foi aqui, na Vila Rica de outrora, que conheci Marília, Dirceu, Cláudio, Alvarenga, Bárbara e Beatriz, a quem devo um mergulho profundo e infinito no universo literário do século XVIII.
Foi aqui também que nasceu Gabriel, meu filho, mineiro dos bons!
Especializei-me em Letras na Universidade Federal de Ouro Preto e, na Federal de Minas Gerais, fiz Mestrado e Doutorado, após o que concluí o pós-doutorado na Universidade de Lisboa, onde lancei meu último livro: “Contestado fruto: a poesia esquecida de Beatriz Brandão (177-1868)”.
Hoje estou aqui, na ALACIB, aprendendo a aldraviar, porque afinal,

ALDRAVIA
É
OUTRA
VIA
AVIA
POESIA

Discurso de Posse

Cadeira N° 08: Cláudia Gomes D. Costa Pereira
Patrona: Beatriz Brandão

Contestado Fruto:
A poesia e a vida de Beatriz Francisca de Assis Brandão

Cláudia Gomes Pereira

Beatriz Francisca de Assis Brandão, nascida na atual cidade de Ouro Preto, MG, em 1779, foi professora, musicista, tradutora e uma das primeiras e mais produtivas escritoras brasileiras do Oitocentos.
Embora grande parte da sociedade mineira e carioca do século XIX tenha reconhecido seu talento e sua formação intelectual, a biografia e bibliografia da poetisa caíram em completo esquecimento, exceto apenas pelas poucas referências que alguns escritores lhe fazem, citando-a como “a prima de Marília de Dirceu”, a conhecida Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, filha de sua tia materna.
Diferentemente de Dorotéia e Bárbara Heliodora, cujos nomes são, ainda hoje, presença marcante na história brasileira - graças à relação amorosa que tiveram com dois dos mais famosos poetas inconfidentes, Tomás Antônio Gonzaga, noivo da primeira, e Alvarenga Peixoto, marido da segunda - Beatriz não figura, atualmente, nas linhas que contam a história de Ouro Preto ou do Brasil. Ela não foi musa; nenhum vate apaixonado dedilhou a lira em seu louvor; foi, ao contrário, agente de seu próprio destino.
Apesar de viver em plena turbulência política que prenunciava a Inconfidência Mineira, Beatriz trilhou caminhos bastante ousados para uma mulher de sua época.
Conquistou espaço na Educação, fundando a primeira escola para moças da freguesia do Antônio Dias, na antiga Vila Rica (1820), e sendo uma das três primeiras professoras concursadas de Minas Gerais; na Música, tornando-se compositora e regente do coral da Matriz do Pilar, a segunda igreja mais rica do Brasil; e nas Letras, como autora de uma das maiores produções literárias femininas do período pré-romântico.
Fugindo ao destino comum à boa parte de suas contemporâneas, Beatriz perseguiu, o sonho de se tornar escritora. Inconformada em receber a parca educação então destinada ao sexo feminino - que se limitava ao bordado, à costura e à culinária -, formou-se às escondidas, especializando-se em cultura geral, literatura, italiano e francês e transformando-se, nos dizeres do historiador Augusto de Lima Jr., “figura intelectual de mais prestígio em Vila Rica” (LIMA JR.: 1961, 63-73).
Casou-se em idade considerada avançada para o período - aos 34 anos- com o par que escolheu, e, vinte e seis anos depois de sofrer calúnias e traições por parte do marido, dele separou-se. Após o término oficial de seu casamento, embora intelectual respeitadíssima em Ouro Preto, partiu, então aos sessenta anos, para o Rio de Janeiro, onde frequentou os meios literários mais conhecidos, foi indicada como membro do Instituto Histórico e Geográfico Nacional, publicou livros e textos diversos em jornais e revistas.
Hoje, 232 anos após o seu nascimento, apesar de sua trajetória incomum, e de sua obra representar um dos maiores legados da escrita de autoria feminina do Brasil do século XIX, Beatriz Brandão continua esquecida, e tal constatação foi o que motivou este trabalho.
Os caminhos percorridos durante sua composição, todavia, foram tantos, que escolher um apenas mostrou-se tarefa quase impossível. Horizontes distintos, como os da História, Literatura, Memória, Biografia, e Alteridade, serviram de esteio ao texto que ora se apresenta. Outros mais seriam possíveis também, como a Estética da Recepção e a Psicanálise, o que demonstra que as possibilidades de pesquisa são tantas e tão diversificadas quanto às explicações para a ausência de Beatriz e de sua obra nas linhas que contam a história deste país e de sua literatura; mas era preciso fazer uma escolha, e ela sempre foi a mesma: possibilitar, ao leitor atual o acesso à desconhecida obra literária de uma mineira do século XIX que, diferentemente da maioria de sua geração, estudou às escondidas, lutou por ascensão intelectual e social, escreveu, publicou e fez o que pôde para expandir suas conquistas às mulheres de seu tempo.
Contudo, como escrever a história de uma vida que há muito se esvaiu? Como buscar, no presente, o passado, de forma a não preencher, com o olhar contemporâneo, as lacunas que se manifestam? Estas foram as primeiras de muitas perguntas surgidas no início deste trabalho, e cujas respostas vieram após um longo e solitário mergulho em papéis amarelados; manuscritos inicialmente incompreensíveis; microfilmes ilegíveis.
Livros de tombos, de irmandades, de profissões e genealógicos somaram-se a testamentos, execuções, partilhas, e outros, e passaram a compor o material precioso do qual foi possível extrair fragmentos de uma biografia que, aos poucos, ia se revelando. Exemplo disso está no inventário de Francisco Sanches Brandão, pai de Beatriz.
A biografia aqui revelada foi, portanto, construída com base em minuciosa leitura de documentos como este, encontrados, como avulsos, nos arquivos de Ouro Preto, Mariana, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Simultaneamente à investigação sobre a biografia de Beatriz, seguia a pesquisa acerca de sua produção literária. Um universo de jornais, revistas e dicionários bibliográficos revelou o vasto material que hoje se anuncia. Dentre eles, Cantos da Mocidade, primeiro livro da autora, publicado em 1856, e que, como todas as demais obras aqui presentes, foi lido em microfilme, copiado manualmente, digitado e atualizado ortograficamente.
Importante ressaltar, porém, que, dada a impossibilidade de ler todos os jornais que circularam no período em que viveu Beatriz, elegeram-se aqueles que se dedicavam à publicação de textos de autoria feminina, bem como os mencionados por biógrafos da autora, como o Marmota Fluminense, em que figuram 38 de seus poemas, encontrados após a leitura de toda a coleção do jornal, que soma 1337 números.
Esta pesquisa permite concluir, pois, que Beatriz Brandão foi mesmo uma das mais fecundas escritoras brasileiras do século XIX, ainda que não se tenha encontrado tudo o que ela produziu, seja porque parte de seus textos não chegou ao prelo, seja porque muitos deles, provavelmente, encontram-se misturados a outros com os quais não guardam relação direta.
Foi isso o que aconteceu com Cartas de Leandro e Hero. Publicadas como livro em 1859, nenhum exemplar dele havia sido localizado até pouco antes do término deste livro, até que, em Lisboa, descobriu-se tal volume encadernado juntamente com outras publicações (Diálogo Pastoril, de Virgílio, e poemas de vários autores), como parte de uma miscelânea em capa verde e sem título. Como se vê na tela.
O presente trabalho encerra-se, portanto, cumprindo seu principal objetivo, pois que traz, à luz deste século, Beatriz Francisca de Assis Brandão, e o faz de forma contextualizada, considerando as condições em que vivia a mulher do século XIX; os aspectos da vida e da produção literária da poetisa e, finalmente, apresentando a obra de sua autoria que foi possível coletar durante os treze anos decorridos desde o início dessa pesquisa. Eis aqui, pois, um total de dez conjuntos de textos, dispostos em mais de quatrocentas páginas de efetiva produção literária, jamais reunida anteriormente.
O estudo biográfico, as relevantes informações sobre a atuação de D. Beatriz no contexto histórico e literário brasileiros, sua relação com escritores que lhe foram contemporâneos e sua experiência como escritora propiciam um novo olhar sobre a história da Literatura brasileira e, sobretudo, sobre a participação efetiva da mulher na construção desta sociedade.

Poesia de Beatriz Brandão

Por este por mim feito, e assinado, digo eu D. Beatris Francisca de Assis Brandão, que tendo adquirido como herdeira de meus pais o Sargento-Mor Francisco Sanches Brandão e D. Isabel Feliciana Narcisa de Seixas, um direito à herança paterna, e materna, e por partilha no Inventário dos bens depois de uma reforma, competindo-me o domínio, e posse dos que me foram adjudicados, e estando em poder do Inventariante, ou de terceiros, e sucedendo que no meu quinhão se dessem alguns bens já partilhados à minha mana, e madrinha, a Sra. D. Anna Sancha, casada que foi com o Brigadeiro José da Silva Brandão, importando eles trezentos e quarenta mil e duzentos réis, e achando-se ela demandada por execução de formal para entregar os bens, ou ser penhorada, é minha vontade que a dita minha mana e madrinha seja isenta de uma execução, e por isso, e porque lhes devo muitos benefícios, dela dou quitação da importância dos bens, cuja entrega não pode verificar-se por não existirem. E como me acho casada com o Capitão Vicente Baptista Rodrigues d’Alvarenga, que por mim figura em Juízo, sem que tenha em vista prejudicá-lo, tomo na minha meação a dita quantia de 340$200 réis ou quanto importam qualquer reposição que a dita minha mana e madrinha seja responsável, visto achar-se ainda litigiosa a herança ou quantia dela pelos bens hereditários, ou de terceiros possuidores, igualmente herdeiros, por ter sido apelada a sentença, que julga a segunda partilha, para tudo contas em Juízo, ou fora dele, e debaixo dos meus protestos constantes dos Autos passo este.
Ouro Preto, 20 de agosto de 1832.
D. Beatris Francisca de Assis Brandão


Documento: Inventário de Francisco Sanches Brandão
Código 142, Auto 1786, 1º Ofício, p. 112.
Arquivo do Museu da Inconfidência, Casa do Pilar, Ouro Preto, MG.

Foto artística de Beatriz Brandão

 



Edição em 23 de janeiro de 2019 por J. B. Donadon-Leal