Registrada
em 06 de abril de 2009
A
ALACIB é uma Associação Literária
sem fins econômicos, com sede e foro em Mariana, Minas Gerais,
CNPJ 10778442/0001-17. Tem por objetivo a difusão da cultura
e o incentivo às Letras e às Artes, de acordo com
as normas estabelecidas no seu Regimento. Registrada em 06 de abril
de 2009.
Diretoria
da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil
Presidente:
Andreia Aparecida Silva Donadon Leal
Vice-Presidente: J.S. Ferreira
Secretário-Geral: Gabriel Bicalho
Tesoureiro: J. B. Donadon-Leal
Promotora de Eventos Culturais: Hebe Maria Rôla Santos
Conselho Fiscal e Cultural: José Luiz Foureaux de Souza Júnior,
Magna das Graças Campos e Anício Chaves
Acadêmico
JOSÉ LUIZ FOUREAUX DE SOUZA JÚNIOR
Cadeira nº 25
Patrono: Caio Fernando Abreu
Notas
Biográficas de José Luiz Foureaux de Souza Júnior
José Luiz Foureaux de Souza Júnior.
Graduado em Letras, pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (1985); Mestre em Teoria da Literatura, pela Universidade
de Brasília (1988); Doutor em Estudos Literários-Literatura
Comparada, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995), Pós-doutor
em Literatura Comparada, pela Universidade Federal Fluminense (2004),
Pós-Doutor em Literatura Portuguesa,pela Universidade de
Coimbra (bolsista da Capes), Leitor de Português, na Universidade
de Zagreb, em Zagreb (Croácia, 2008-2010), membro efetivo
do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais-MG, membro efetivo
da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, diretor cultural
da Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas; membro correspondente
da Academia de Letras e Artes de Portugal-Cascais; membro correspondente
da Academia Portuguesa de Ex-libris. Atualmente, Professor Titular
de Literatura Portuguesa e Comparada, na Universidade Federal de
Ouro Preto; membro do Conselho Editorial da Revista Literatura e
Debate, do Curso de Pós-graduação em Letras,
da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
(Frederico Westphalen); membro do conselho editorial da revista
eletrônica Jangada (http://www.revistajangada.com.br/). Tem
experiência na área de Estudos Literários, com
ênfase em Literatura Luso-Brasileira e Literatura Comparada,
atuando principalmente nos seguintes temas: teoria, crítica,
comparatismo, sexualidade, historiografia e leitura.
Discurso
de Posse
Cadeira Nº 25: José
Luiz Foureaux de Souza Júnior
Patrono: Caio Fernando Abreu
Ler Caio Fernando Abreu é como abrir um diário que
nunca escrevemos, mas que revela tudo que sentimos e pensamos,
tudo que queremos esconder dos outros e de nós mesmos. Esta
é a marca registrada de Caio: seus contos jogam na cara da
gente coisas que não sabemos sobre nós mesmos, obrigam-nos
a fazer uma limpeza interna, pensar sobre o que realmente somos
e o que representamos ser. Terrivelmente crua e ao mesmo tempo lírica
e delicada, a obra de Caio Fernando nos captura justamente por essas
contradições:
Mas quando saíram pela porta daquele prédio grande
e antigo, parecido com uma clínica ou uma penitenciária,
vistos de cima pelos colegas todos postos na janela, a camisa branca
de um, a azul do outro, estavam ainda mais altos e mais altivos.
Demoraram alguns minutos na frente do edifício. Depois apanharam
o mesmo táxi, Raul abrindo a porta para que Saul entrasse.
Ai-ai, alguém gritou da janela. Mas eles não ouviram.
O táxi já tinha dobrado a esquina.
Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia
a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens no céu,
ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição.
Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação
de que seriam infelizes para sempre. E foram.
(ABREU, Caio Fernando. Aqueles dois. In: Morangos mofados. 8 ed.
São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 132-142.)
Um dos primeiros textos de Caio que li foi o conto “Aqueles
dois”, publicado num livro emblemático Morangos mofados.
O titulo desse livro é muito sugestivo e lírico, apesar
de, aparentemente e apenas aparentemente, causar sensação
de nojo. Mas não, todos os textos constantes do volume são
exemplo acabado do mais puro lirismo trágico, marca registrada
do autor. O trecho que acabo de ler é a conclusão
do conto. O processo de conhecimento, que se desenvolve durante
a narrativa, é por demais contundente para deixar dúvidas
sobre a profundidade do pensamento de Caio. A humanidade salta
aos olhos através dos passos incertos e cambiantes dos dois
protagonistas.
Caio Fernando Abreu é considerado um dos mais importantes
contistas do Brasil, nome basilar da expressão homoerótica
na/da Literatura Brasileira. Referência para jovens escritores,
por seu niilismo poético e por sua visão de mundo
sem tantos compromissos formais, o autor gaúcho comove e
incomoda, questiona e delata, faz poesia e imagem com a palavra.
É, da mesma forma, considerado autor pesado e afeito à
melancolia, com uma escrita passional e intertextual. Isso se deve
ao fato de o escritor ter dado um grande espaço, em sua obra,
a temas considerados “pesados” e/ou “não-literários”.
Temas que podem ser identificados como sua marca registrada: explicam,
em parte, certo silêncio da crítica universitária,
hoje mais alerta e interessada. Sua ficção se desenvolve
acima de convencionalismos de qualquer ordem, com linguagem fora
dos padrões convencionais, em seu tempo. Em seus contos,
percebe-se certa velocidade na/da escrita, associada tanto à
construção de imagens rápidas, instantâneas,
substantivadas, quanto à forma com que estas imagens interagem,
se complementam ou se chocam. Há quem diga que sua narrativa
é cinematográfica, como é bem o caso de “Sargento
Garcia”, conto publicado no mesmo volume, Morangos mofados:
Queria dançar sobre os canteiros, cheio de uma alegria tão
maldita que os passantes jamais compreenderiam. Mas não sentia
nada. Era assim, então. E ninguém me conhecia.
Subi correndo no primeiro bonde, sem esperar que parasse, sem saber
para onde ia. Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não
cabe nos trilhos de um bonde. Pedi passagem, sentei, estiquei as
pernas. Porque ninguém
esquece uma mulher como Isadora, repeti sem entender, debruçado
na janela aberta, olhando as casas e os verdes do Bonfim. Eu não
o conhecia. Eu nunca o tinha \is-to em toda a minha vida. Uma vez
desperta não voltará a dormir. O bonde guinchou
na curva. Amanhã, decidi, amanhã sem falta começo
a fumar. (ABREU, Caio Fernando. Sargento Garcia In: Morangos mofados.
8 ed. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 74-90.)
Há que destacar a preferência do autor por certos tipos
humanos, inseridos no rol dos socialmente excluídos: prostitutas,
travestis, michês, entre outros. O autor procura integrá-los
à “realidade”, através de sua ficção.
“Sargento Garcia” foi escrito e dedicado à memória
de Luiza Felpuda, travesti conhecido em Porto Alegre que, no período
militar, era responsável por um bordel que soldados frequentavam
para se prostituírem. O autor insere, em sua narrativa, a
personagem de Isadora Duncan, outro travesti. A criação
dela é uma homenagem à Luiza Felpuda. Embora Isadora
seja um travesti, em nenhum momento da narrativa de Caio percebemos
a intenção de ridicularizar a imagem do homossexual;
não o reduz à caricatura, mas o integra à narrativa,
sem intenção de ridicularizá-la.
Nascido em 12 de setembro de 1948, em Santiago do Boqueirão
onde quem não rouba é ladrão (hoje apenas Santiago),
Caio Fernando Loureiro de Abreu começou precocemente sua
carreira. Segundo ele, o primeiro conto de ficção
foi escrito aos seis anos, logo que aprendeu a ler e escrever. Alto,
magro, de voz fina e com olhos enormes e expressivos, o menino Caio
teve muita dificuldade em fazer amizades em sua cidade natal. Aos
15 anos, mudou-se para Porto Alegre, como faziam todos os jovens
do interior em busca de melhor qualificação. Sozinho
na cidade grande, leu com fervor as obras de Guimarães Rosa,
Fiódor Dostoiévski, Mareei Proust, Katherine Mansfield,
Graciliano Ramos, Friedrich Nietzsche, Simone de Beauvoir, Jean-Paul
Sartre, J.D. Salinger, Herman Hesse, Virgínia Woolf e Clarice
Lispector, sendo que as duas últimas seriam sua grande inspiração
durante toda a vida.
Em 1967, entra para o Instituto de Letras da Faculdade de Filosofia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Logo começa
também um curso de direção teatral, passando
a estudar literatura pela manhã e artes dramáticas
à noite. Nessa época conhece o futuro escritor
João Gilberto Noli, o jornalista Valdir Zvvetseh, a pintora
Maria Lídia Magliani, parceira de toda vida, e Lya Luft,
que foi sua professora e amiga.
Em Março de 1968, é selecionado em um concurso para
integrar a equipe de jornalistas de uma nova revista da Editora
Abril, no qual havia inscrito o conto O príncipe sapo. Abandona
a faculdade em Porto alegre e vai para São Paulo ocupar sua
vaga no 1° Curso Abril de Jornalismo. Em setembro é
lançada a revista, que se chamou Veja (e leia), e da qual
acaba demitido meses depois. Procurado pelo DOPS (Departamento
de ordem política e social, órgão de repressão
do governo) por participar de algumas passeatas de esquerda, vai
pela primeira vez para o sítio da escritora Hilda Hilst,
em Campinas. Os dois tornam-se amigos e parceiros em seu amor pela
literatura. Hilda teve grande influência na vida de Caio.
Convivendo com ela e lendo Rainer Maria Rilke, Thomas Mann e Léon
Tolstói, o escritor refinou cada vez mais sua sensibilidade
na escrita.
Durante a estada de um ano com Hilda, organiza material para editar
seu primeiro livro, Inventário do irremediável. Em
1969, vai para o Rio se hospedar na casa da amiga Maria Helena Cardoso
e tem muito contato com a cultura hippie. Recebe, então,
a notícia de que seu 1í\to ganhara o Prémio
Fernando Chinaglia e mil cruzeiros, mas que o autor teria que arcar
com a edição. O livro é publicado em 1970 pela
Editora Movimento. Enquanto isso, Caio escreve para o Correio
do Povo, O Estado de São Paulo, O Jornal e no Suplemento
Literário de Minas Gerais. Dois contos seus saem na coletânea
Roda de fogo, uma antologia de contistas gaúchos, ao lado
de, dentre outros, Moacyr Scliar.
Novamente morando em Porto Alegre, participa como ator do grupo
de teatro Província, do amigo Luiz Arthur Nunes.
Em 1971, o romance Limite branco é lançado pela Editora
Expressão e Cultura. Nesse ano muda-se novamente para o Rio
de Janeiro, indo morar em uma comunidade hippie. Lá escreve
grande parte de seu terceiro livro, O ovo apunhalado, publicado
anos depois por não passar pela censura da época.
Nessa passagem pelo Rio de Janeiro conhece Henrique e Vera Antoun,
de cuja família vira amigo e hóspede. É preso
por porte de maconha e volta então para a casa dos pais
em Porto Alegre.
Trabalha todo o ano de 1972 no jornal Zero Hora e continua colaborando
com o Suplemento Literário de Minas Gerais, no qual
publica A visita, um dos contos de O ovo apunhalado. O livro
ganha o prémio do Instituto Nacional do Livro, e Caio manda
então a obra para concorrer ao Prémio Nacional de
Ficção. Com o dinheiro do primeiro prêmio, parte
para a Europa, em abril de 1973, tentando achar um lugar onde houvesse
menos repressão e mais liberdade. Passa por Madri, Barcelona,
Paris e para em Estocolmo, onde encontra a amiga gaúcha Sandra
Laporta. Visita rapidamente a Holanda e a Bélgica. Indo sempre
atrás do sonho de virar um grande escritor, completa
seus 25 anos morando em Londres, a cidade em que sempre quis estar.
Com dificuldade de subsistência no frio britânico, junto
com alguns amigos começa a invadir e morar em casas abandonadas,
de onde logo eram expulsos.
Em 1974, volta ao Brasil. Seu livro O ovo apunhalado ganha menção
honrosa no Prémio Nacional de Ficção. Caio
decide cuidar da edição do livro, que é publicado
em 1975 numa co-edição do Instituto Estadual do Livro
e Globo. O ovo apunhalado sofre cortes da censura, mas tem boa crítica.
Caio sai da casa dos pais e vai morar com o Luiz Arthur Nunes, dramaturgo
e diretor teatral. Juntos criam o espetáculo Sarau das 9
às 11. Transfere se logo para uma comunidade no Jardim
Botânico, em Porto Alegre, onde reside com dois amigos do
tempo de Londres.
Em 1977, é publicado Pedras de Calcutá, com o material
produzido na época em que estava no exterior e com o que
escreveu logo após sua volta ao Brasil. Contos do livro já
liariam sido publicados nas antologias Assim escrevem os gaúchos,
Teia e Histórias de um novo tempo. Muda-se novamente
para São Paulo em 78 para trabalhar como editor da revista
Pop, a convite de Valdir Zwetsch, e começa a escrever Morangos
mofados. Trabalha ainda nesse período nas revistas Nova e
Leia livros.
Em 1982, Morangos mofados, seu livro de maior sucesso até
então, é lançado pela editora Brasiliense.
O início do ano seguinte, marca a terceira tentativa de Caio
em morar no Rio de Janeiro. A decisão foi motivada pela jovem
Ana Cristina Cesar, com quem manteve amizade intensa e conturbada
até o suicídio dela em outubro do mesmo ano. No final
de 83, Caio vai a Porto Alegre lançar Triângulo das
águas na Feira do Livro. A obra ganha o prêmio Jabuti.
Começa também a colaborar com a revista Galiery Around
de São Paulo, para a qual envia resenhas, reportagens e assina
uma coluna sobre livros. A revista muda o nome para Around e Caio
vai novamente para São Paulo trabalhar na redação.
O conto “Beatriz, ou o destino desfolhou” é
publicado na antologia Ritos de passagem, em 1984. Quando o Estadão
cria o Caderno 2,em 1986, Caio é convidado a fazer parte
da nova equipe e aceita assumir a editoria de cultura. Em 1987 pede
demissão do jornal e passa a trabalhar novamente na revista
Around, que já havia mudado novamente o nome (para AZ), mas
continua a enviar suas crônicas para o Estadão. Em
1988 faz críticas literárias no programa Leitura livre,
da TV Cultura. Nesse ano lança o livro Os dragões
não conhecem o paraíso, com o qual ganha seu segundo
prémio Jabuti. Em 1990 o romance Onde andará Dulce
Veiga? é lançado pela Companhia das Letras. Caio não
gostava de ser visto como um escritor homossexual. Quando assim
era rotulado, dizia: “Se o que eu faço é
literatura gay, o que o Veríssimo faz é literatura
heterossexual? Literatura é literatura, ponto final.”
Neste mesmo ano, Os dragões não conhecem o paraíso
é o primeiro de seus livros a ser publicado no exterior.
Vai à Inglaterra para o lançamento e estoura na mídia.
Dá entrevistas para a BBC, para a revista Time Out e para
o jornal The independent. Para poder ficar na Europa até
o lançamento do livro em francês, Caio lava pratos,
trabalha como garçom e faxineiro, como já havia feito
em 73. Em março do ano seguinte, vai a Paris para o lançamento
da edição francesa. Volta ao Brasil em julho e fica
em São Paulo trabalhando na revista Qualis, onde permanece
apenas três meses. No começo do ano de 1992 é
convidado para fazer crítica literária na revista
Playboy e começa a trabalhar na reedição de
Limite branco. Em novembro ganha uma bolsa da Maison des Écrivains
Étrangers para passar três meses em Saint Nazaire.
Nesse tempo, tem que escrever um conto e ceder os direitos autorais
à editora Arcane 17.
Em 1993, a novela O leopardo dos mares sai em edição
bilíngue pela Arcane. Em meados de 93 volta à
Europa para lançar as edições italiana e francesa
de Onde andará Dulce Veiga?. Caio visitou, entre 1992
e 1994, a Inglaterra, a Holanda, a França, a Itália,
a Alemanha, a Suécia, a Espanha e Portugal, não necessariamente
nessa ordem. Participou de leituras e divulgou seus livros
em Amsterdã, Utrecht e Haia. Esteve no Congresso Internacional
de Literatura e Homossexualismo em Berlim, em Erlangem; em
Milão, para lançar Dov'é Finita Dulce Veiga?,
e em Paris para autografar Quest devenue Dulce Veiga?.
Em 1994, Onde andará Dulce Veiga? foi indicado ao prémio
Laura Battaglion como melhor romance estrangeiro, ao lado de nomes
como Philip Roth. Durante esses anos, Caio deu entrevistas para
televisão, revistas e jornais, principalmente da França.
Um escritor brasileiro que falava do lado obscuro de um povo
que ama samba, mar e futebol encantou os franceses e a Europa,
fazendo-os imaginar como era o Brasil real. Muitos artigos sobre
a obra de Caio Fernando Abreu foram escritos também lá,
e sua obra, como no Brasil, vem sendo estudada desde então.
Em junho desse ano, Caio voltou da Europa com uma mancha que aparecera
em seu rosto. Estava em São Paulo quando fez o exame: HIV
positivo. Após alguns dias internado em São Paulo,
Caio volta para Porto Alegre e para a casa da família Abreu
no Menino Deus, onde decide passar seus últimos dias, e é
recebido de braços abertos pelos pais, então já
idosos, e pelos irmãos.
Caio Fernando Abreu assumiu publicamente a doença em crónicas
para os jornais O Estado de São Paulo. Transformado em celebridade
instantânea pela doença, faz uso da notoriedade
até o fim para denunciar a falta de remédios a preços
acessíveis e a forma como eram tratados os pacientes com
HIV. Tornou-se porta-voz dos soropositivos que, além de não
terem tratamento médico adequado, eram tratados com preconceito.
Como Caio nunca juntou dinheiro durante sua vida, foi ajudado
por amigos. Alguns contribuíam com remédios, como
Marcos Breda e Graça Medeiros, que até o fim esteve
em contato com hospitais do mundo inteiro e médicos
que tentavam descobrir uma forma de amenizar a doença. Outros
amigos de São Paulo juntaram dinheiro para dar-lhe um laptop,
sonho antigo do escritor.
Em outubro de 1994, o Brasil era o país-tema da Feira Internacional
do Livro de Frankfurt, na Alemanha, e Caio foi um dos convidados.
Em sua última passagem pela Europa, participou de debates
ao lado de Chico Buarque de Hollanda, dentre outros. Quando voltou
da Europa, no final de 94, passou em São Paulo para
participar de uma festa em sua homenagem organizada por amigos.
Despedia-se então da cidade que amou e odiou com a mesma
intensidade e na qual passou a maior parte de sua vida: só
voltaria a São Paulo rapidamente para lançar seu último
livro. Em Porto Alegre, doente, Caio Fernando Abreu aprendeu a amar
a vida como nunca, como anunciou em entrevistas. Caio e o pai, Zaél,
cuidaram juntos de um jardim, encerrando assim os desentendimentos
do passado e iniciando uma nova etapa, de compreensão e apoio.
Nesse período foi o tradutor de Assim vivemos agora, de Susan
Sontag e A arte da guerra, de Sun Tzu, com Miriam Paglia. Mudou
também o nome
de seu primeiro livro na reedição: Inventário
do irremediável passou a chamar-se Inventário do Irremediável.
Caio voltou a Porto Alegre para cuidar da vida e da obra com igual
fervor, pois não queria que, postumamente, remexessem
em suas gavetas e publicassem o que não deviam. Em 1995 Ovelhas
negras é publicado pela editora Sulina. O livro é
uma reunião de contos rejeitados pelo autor em um primeiro
momento. Caio analisou cada um, reescreveu alguns e lançou
esse que seria seu último livro: cheio de ovelhas negras,
como ele foi da família e de grande parte do mundo, que não
conseguiu compreendê-lo. O livro lhe rendeu seu terceiro prémio
Jabuti. O conto “Linda, uma história horrível”
é incluído no The penguin book of international
gay writing, organizado por David Leavitt, e Molto lontano de Marienbad
é lançado na Itália, pela editora Zanzibar.
Em outubro é patrono da 41a Feira do Livro de Porto Alegre.
No final do ano, José Márcio Penido, então
editor do Globo Repórter, fez um especial sobre Aids e o
entrevistou. Meses antes de morrer, Caio participa da reportagem
e diz “Adoro estar vivo, gosto de viver”, e encerra
a entrevista decretando: “Agora estou muito ocupado, não
tenho tempo para morrer.” Caio Fernando Loureiro de Abreu
faleceu em 25 de fevereiro de 1996, aos 47 anos, no Hospital Moinhos
de vento, em Porto Alegre, vítima de uma pneumonia. Deixou
para os sobrinhos, numa carta-testamento, o computador, a impressora,
o aparelho de som, alguns CDs e sua coleção de frangas
de argila e louça, os bens que acumulou durante sua vida.
Em certo sentido, é o signo da margem o que marca e identifica
a literatura de Caio Fernando Abreu. Daí a pensar em inversão,
é um pulo. Desse modo, termino fazendo o que protocolar e
tradicionalmente se faz no começo, subvertendo a ordem, invertendo
a sequência sem deixar perder-se o sentido. Assim é
que agradeço a presença de todos que aqui estão:
familiares, amigos, confrades, confreiras e demais convidados. Outros
agradecimentos, em nada e por nada protocolares, vão para
Cláudia Gomes Pereira, quem me saudou e a quem nos laços
da amizade aprendi a admirar e respeitar; para Águeda Santos,
presidente da Academia Marianense infantojuvenil de Letras, aluna
matriculada em uma das disciplinas que leciono neste semestre, aqui
mesmo no ICHS; para Hebe Rola, Promotora de eventos culturais da
ALACIB, que já foi colega de departamento e hoje é
exemplo; para Gabriel Bicalho, secretário geral ds ALACIB,
a quem também admiro; para José Sebastião Ferreira,
vice-presidente da ALACIB, um sujeito que com que simplicidade me
conduziu até aqui, cuja poesia é um no exercício
de mineiridade; para José Benedito Donadon Leal, presidente
executivo da ALACIB-Mariana, que também já foi colega
de departamento, que continua amigo, com quem divido angústias,
alegrias, sonhos e delírios e para Andreia Donadon Leal,
presidente fundadora da ALACIB, ex-aluna, amiga que me recebe em
sua casa e que agora me recebe aqui, a quem admiro por demais e
a quem devo momentos de inspiração, ainda que ela
não saiba. Muito obrigado!
Edição
em 23 de janeiro de 2019 por J. B. Donadon-Leal