Registrada em 06 de abril de 2009

A ALACIB é uma Associação Literária sem fins econômicos, com sede e foro em Mariana, Minas Gerais, CNPJ 10778442/0001-17. Tem por objetivo a difusão da cultura e o incentivo às Letras e às Artes, de acordo com as normas estabelecidas no seu Regimento. Registrada em 06 de abril de 2009.

Diretoria da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil
Presidente: Andreia Aparecida Silva Donadon Leal
Vice-Presidente: J.S. Ferreira

Secretário-Geral: Gabriel Bicalho
Tesoureiro: J. B. Donadon-Leal
Promotora de Eventos Culturais: Hebe Maria Rôla Santos
Conselho Fiscal e Cultural: José Luiz Foureaux de Souza Júnior, Magna das Graças Campos e Anício Chaves

Acadêmica GORETTI DE FREITAS
Cadeira nº 19
Patrono: Henriqueta Lisboa


 

Notas Biográficas de Goretti de Freitas

Goretti de Freitas, nome literário de Maria Goretti de Freitas Oliveira, filha de Helvécio Umbelino de Freitas e Hélia Pires de Freitas, natural de Inhapim-MG, morou em Tarumirim-MG e reside em Ipatinga-MG. Licenciada em Pedagogia pelo Unileste-MG – Centro Universitário do Leste de Minas Gerais. Trabalhou na área educacional durante 30 anos. Atualmente, é Presidente do CLESI – Clube dos Escritores de Ipatinga, Membro Efetivo da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil – Mariana-MG, InBrasCI-MG – Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais e Membro da SBPA –Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas. Membro Honorário do Instituto de Estudos Histórico-militares – Lisboa, da Tertúlia Rafael Bordalo Pinheiro – Lisboa, da Academia Internacional de Heráldica – Portugal e da Divine Académie Française des Arts Lettres et Culture. É Membro Correspondente da Academia de Letras e Artes, Lisboa e da Academia Portuguesa Ex-Libres. Livros publicados: Contos Interioranos, Num Instante um Haicai, Filipe e seus barquinhos. Participação nas antologias: Lumens, Écrivain Contemporains du Minas Gerais, Vinte e Cinco Anos de Poesia-Clesi e Livro das Aldravias.

Discurso de Posse

Henriqueta Lisboa, sedução poética de muitas infâncias

Mergulhar na poesia brasileira, bem mineira de Henriqueta Lisboa, é uma aventura! É motivo de orgulho adentrar no seu grandioso acervo poético, passear por sobre nossa herança literária e, num momento de fascinação, fazer alguns breves registros de sua longa trajetória no mundo da literatura. Falar dessa autora é reviver infância, é alegria! É ser submetido a lições de sabedoria e muita sensibilidade. Ler seus poemas é buscar algo que não está totalmente à mostra. É sentir o prazer de tentar desvendar o que está oculto. Cada um desvenda o que está recôndito da forma que considera conveniente. Ângela Vaz Leão, no livro Henriqueta Lisboa: o mistério da criação poética, cita a observação de Mallarmé: “nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que é feito de adivinhar pouco a pouco: sugeri-lo, eis o sonho”. E, sobre esse enigma, Henriqueta Lisboa, no Convívio Poético, afirma que “dizer que o mistério da poesia permanece nas pegadas do texto poético não é negar a arte como técnica, mas reafirmá-la como tal”.
Henriqueta Lisboa conhece bem a sua gente, e procura ser fiel aos temas referentes ao povo e à sua terra, deixando em alguns de seus versos, palavras envoltas de beleza, não para serem reveladas, e sim, admiradas. Trata-se de uma poeta que prepara e seleciona habilmente as palavras que revelam o caráter grandioso de sua poesia. Deixa transparecer as ideias de tempo, lugar, laços familiares, amizades, religiosidade, dentro de um contexto que remete o leitor à infância ou a um passado recente. De posse dos pensamentos infantis, acontece a elaboração de uma linha de tempo onde estão presentes as
alegrias, os medos, as cenas, os cenários e os conhecimentos adquiridos ao longo da existência.
É a primeira poeta a escrever para crianças de forma lúdica, sem se preocupar com moralismo e didatismo. É o caso de O menino poeta.
Uma obra simplesmente poética. Um encantamento para o mundo infantil. À medida que o leitor vai tomando conhecimento da obra, surgem novos significados para a vida, nova visão de mundo. Mesmo não sendo intencional, sua poesia é educativa por apresentar palavras repletas de sons, onomatopeias, musicalidade, simbolismo das vogais e linguagem e ritmos adequados, alcançando, assim, o interesse de leitores de faixas etárias variadas.
Pelo conjunto de sua obra, é a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Mineira de Letras, grande conquista profissional seguida da outorga de vários títulos honorários.
Henriqueta Lisboa (1901-1985), mineira de Lambari, estância hidromineral de Minas Gerais, vem de uma família estruturada, vive num ambiente propício e recebe boa educação. Tem acesso às artes, ciências, política e religião. Seus pais oferecem-lhe apoio suficiente para que atinja os mais elevados níveis para os padrões da época. Quando adulta, exerce papéis relevantes como profissional. Faz opção pelo Magistério de Ensino Superior e Letras. Passa parte de sua vida na cidade do Rio de Janeiro e, mais tarde, vai para Belo Horizonte, onde fixa residência.
Sua primeira publicação é o livro Fogo fátuo, em 1925. Depois dessa estreia, vários outros passam a tomar parte de seu fazer poético: Enternecimento, em 1929, com o qual obtém o Prêmio Olavo Bilac da Academia Mineira de Letras, em 1931; Velário, em 1936; Prisioneira da noite, em 1941; O menino poeta, em 1943; A face lívida, em 1945; Flor da morte, em 1949, tendo esse último merecido o prêmio Othon Lynch Bezerra de Melo, da Academia Mineira de Letras. Em 1952, publica Madrinha Lua, livro premiado pela Câmara Brasileira do Livro. Prosseguindo sua criação inesgotável surgem: Azul profundo, em 1956; Montanha viva - Caraça, em 1959; Além da imagem, em 1963; Belo Horizonte bem-querer, em 1972; O alvo humano, em 1973; Reverberações, em 1976; Miradouro e outros poemas, em 1976; Celebração dos elementos: água, ar, fogo, terra, em 1977 e, por último, em 1982, Pousada do ser, que lhe rende o Prêmio de Poesia, do Pen Clube do Brasil.
Consegue cativar leitores e críticos ao percorrer caminhos entre o transitório e o eterno para mostrar a beleza do mundo, do ser humano como indivíduo histórico-temporal. Vê o homem como alguém que ocupa seu espaço, constrói sua vida e, depois, inevitavelmente vai embora - após perder pessoas muito importantes de seu convívio, passa a impressão de querer fazer uma busca do ser, uma busca de si mesma e, nessa trajetória, vem à tona a presença marcante da morte em sua poesia. Só mesmo uma poeta dessa categoria para conseguir falar de morte com tanta propriedade, fazendo da obra Flor da morte uma arte poética primorosa.
Os temas mais frequentes por ela abordados referem-se à presença de Minas como espaços geográfico e sentimental. Merece destaque pela delicadeza de sentimentos e lucidez. Fábio Lucas e Padre Paschoal Rangel, dois competentes críticos, ao analisarem suas obras, abordam enfaticamente, em vários momentos, a mineiridade, tão intensa que Henriqueta Lisboa deixa transparecer. Títulos de algumas obras desses autores remetem a essa característica marcante da poeta: Essa mineiríssima Henriqueta e Mineiranças. O jeito mineiro de ser aparece de forma explícita, por exemplo, nos livros: Madrinha Lua, Montanha viva - Caraça e Belo Horizonte bem-querer. Por ocasião desse último livro, Henriqueta recebe o título de Cidadã Honorária de Belo Horizonte e torna conhecido o seu poema Currais-d’el rei, que transita pela metrópole, onde faz alusões à marcha do povo destemido, à fauna, à geografia...
Em certo planalto agreste
ao pé de montes de ferro,
ladeando bichos selvagens
ressoam botas de couro
firmes passos bandeirantes
João Leite da Silva Ortiz
– paulista de alta linhagem –
com soberba marcha à frente.
Além da criação poética, escreve também vários ensaios. Dentre eles, destacam-se: Alphonsus Guimaraens, um ensaio de interpretação, em 1945; Convívio poético, em 1955; Vigília poética, em 1968, e Vivência poética, em 1979. Nesses livros estão reunidos os estudos da prosa poética de Guimarães Rosa, análise e crítica da obra de vários poetas brasileiros e estrangeiros e assuntos referentes à teoria poética, partindo da definição e indo até a sua essência. Publica também várias coletâneas, dentre as quais se destaca a Antologia poética para infância e juventude, e elabora críticas de trabalhos de autores nacionais e internacionais, além de muitas traduções.
A autora traz contribuições inovadoras para o universo literário. Consegue reunir crítica ao sentimentalismo, uma característica marcante da poeta. Por mostrar, em vários momentos, uma visão subjetiva do mundo e também ideias modernas, muitos estudiosos de suas obras reconhecem a importância de seu fazer literário, conforme mencionado no Flor da morte: “autora de uma significativa obra poética, que alia ao diálogo crítico com a tradição lírica ocidental gestos próprios de inovação. Em sua poesia confluem tendências simbolistas e modernistas”.
Vários leitores ilustres se interessam pelas obras de Henriqueta Lisboa. Dentre eles, destacam-se: Mário de Andrade, Gabriela Mistral, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade.
Para Drummond, citado por Ângela Vaz Leão no já referido Henriqueta Lisboa: o mistério da criação poética, “não haverá em nosso acervo poético, instantes mais altos que os atingidos por esse tímido e esquivo poeta”.
A partir da obra A prisioneira da noite alcança um lirismo tal, que nas palavras de Alfredo Bosi, ela é uma “sutil tecedora de imagens capazes de dar uma dimensão metafísica ao seu intimismo radical”.
Outros escritores são seduzidos pelas obras da poeta. Antônio Cândido, ao conhecer o conteúdo de O menino poeta, afirma: “a não ser em alguns versos do senhor Manuel Bandeira e da senhora Cecília Meireles, não sei de outra poesia moderna que seja mais fluída e mais etérea do que a da senhora Henriqueta Lisboa. É uma delícia a perfeição com que sugere e descreve”.
Já Austregésilo de Athayde atribui a beleza de seus poemas à
sua mineiridade: “Recolhida em suas montanhas, de longe, no entanto, exerce o fascínio de seus poemas encantadores... Nada é
artificial ou exótico e quanto mais trabalha, mais aperfeiçoa. Romântica, simbolista, parnasiana, todos os ritmos e metros compõem os requintes de sua arte, que representa a oferta de sua vida gloriosa, inteiramente dedicada à poesia”.
Com seu estilo de vida mineira, Henriqueta Lisboa acompanha o crescimento de sua cidade que vai ganhando novas formas verticais e os anseios que sempre povoam os corações de seus habitantes.
Uma cidade se levanta
do solo às nuvens.
(...)
Uma cidade sobe dos prados
para o lombo das serras,
(...)
Forma-se de colunas firmes
e fúlgidos vidros de sol.
(...)
Cresce das mãos dos operários
canta pelo timbre dos poetas
define-se no porte dos guias
espairece no afã dos atletas
explode na estridência das máquinas.

A construção da cidade vai de encontro aos ideais de liberdade, juntam-se e incorporam à história de Minas, tudo acontece simultaneamente e, mais uma vez, Henriqueta Lisboa se faz presente com seus versos políticos e poéticos.
Firma-se em cada construção
o alicerce da Liberdade.
Fica na colina do centro
o palácio da Liberdade
Abrem-se para os quatro cantos
as janelas da Liberdade
Todos os caminhos circulam
em demanda da Liberdade
Trêmulos arbustos se inclinam
diante da flor da Liberdade.

Mário de Andrade, seu grande amigo, com quem manteve sua mais rica correspondência, em seu livro Coração magoado, em 1941, faz a seguinte afirmação: “Esse lirismo que a excetua, uma carícia simples, dor recôndita em sorriso leve e a frase contida - coisas raras na poesia nacional”. Quanto ao O menino poeta, ele escreve numa de suas cartas à amiga: “São simplesmente um encanto pros ouvidos, pros olhos, pro corpo todo. O menino poeta, isso achei maravilha integral”.
Eis que meu primeiro contato com a poesia de Henriqueta Lisboa acontece por ocasião da minha fase de alfabetização, onde também passo a conhecer O menino poeta, de linguagem simples e rara beleza - três semanas são necessárias para tomar coragem para pedir o livro emprestado à professora, mas consigo! É um encontro mágico com a obra dessa poeta mineira, crítica, ensaísta, professora e tradutora. O livro apresenta-me seus belos versos e eu os leio como se fossem parlendas infantis, cantigas de roda e, por vezes, eu os musico por minha conta e risco. Depois de algum tempo, sinto a força das imagens, das metáforas e chego à compreensão dos escritos dessa poeta de modos delicados e alma sensível.
Atraída por seu mistério, leio Coraçãozinho, um poema escrito para o dia dos pais. Simples, elaborado de forma sutil, mostra toda a sua singeleza.
Coraçãozinho
Coraçãozinho que bate
Tic-tic
Reloginho de papai
Tic-tac
Vamos fazer uma troca
Tic-tic-tic-tac
Reloginho fica comigo
Tic-tic
Dou coração a papai
Tic-tic-tac.

São incontáveis as leituras. Para mim, aquela novidade é um roçar manso de palavras, invenção de um vento novo para meu
desenho. Resolvo tingir de azul o céu, amarelar o dia com um belo sol, acrescentar dois corações encarnados e continuar ali fazendo releituras, gravando e recitando. Na hora do crepúsculo, o poema pronto naquele papel ilustrado. À noite, ele vai para as mãos de seu legítimo dono - é o dia dos pais. A partir daí, o poema se faz presente em todos os lugares: em casa, na rua, na escola...
Ao relembrar a sensação sentida naquele momento, lembro-me do genial Albert Einstein dizendo: “A coisa mais bonita que podemos experimentar é o mistério. É a fonte de qualquer arte e de todas as verdadeiras ciências. Quem não conhece esta emoção, quem já não possui o dom de se maravilhar, mais valia que estivesse morto, pois os seus olhos estão fechados”.
Com seu jeito próprio e inovador, a produção literária de Henriqueta Lisboa continua sendo de grande importância, capaz de seduzir adultos, jovens e crianças.
Trata-se de uma poeta que sempre acreditou na importância e na beleza poética: “Vamos falar de poesia. [...] Verifico, ainda uma vez, a superioridade do gênero poético sobre os outros gêneros literários, quando permitimos uma divisão e uma classificação”, e finaliza dizendo que “em romance algum, em nenhuma biografia se encontrará essa força concentrada, essa profundidade como que simples; essa gravidade ao brincar, esse dizer claro sem ferir delicadezas, essa humanidade vivendo em cada palavra”.
Toda sua riqueza literária e seus trabalhos como educadora, sempre acreditando na arte para sensibilizar as pessoas, inspiram-me a buscar e a construir um olhar de quem quer apreciar e, ao mesmo tempo, investigar para recuperar o olhar sensível da criança que consegue ver o que está oculto para muitos adultos “míopes” que, por vezes, contentam-se com pouco e perdem detalhes importantes.
A propósito, a poeta explicita, na introdução da Antologia poética para a infância e juventude, a sua pretensão de colaborar com a educação através de sua arte: “A arte aprimora a sensibilidade, desenvolve os sentidos em direção significante, estimula a faculdade
intuitiva, imaginativa e criadora, promove a compreensão dos seres e coisas para além dos rumos da inteligência. [...] Era esse o livro que desejaria ter lido na infância”.
Por ter sido educadora tal como eu, por ter me encantado e seduzido desde criança, ser mineira, acreditar na contribuição da arte literária na formação das pessoas, por ter sido a primeira mulher a ingressar na Academia Mineira de Letras, Henriqueta Lisboa é a minha escolhida para patrona da cadeira de número 19, da Academia de Letras Artes e Ciências Brasil - ALACIB. Ela contagiou o meu olhar, assim como o de grandes poetas. Tocou meus sentimentos quando eu mal sabia juntar as letras num abraço de palavras.

REFERÊNCIAS:
LEÃO, Ângela Vaz. Henriqueta Lisboa: o mistério da criação poética. Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.
LISBOA, Henriqueta. Flor da morte. Belo Horizonte: UFMG, 2004.
LISBOA, Henriqueta. O menino poeta. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1975.
LUCAS, Fábio. Dimensões da lírica de Henriqueta Lisboa.
In: _____. Henriqueta Lisboa: seleção. São Paulo: Global, 2001.

Poema de Goretti de Freitas

Não posso

Não posso esquecer. Nem quero.
Vez por outra,o pensamento
voa centenas de milhas
distancia até a trilha,
onde meu coração pulsa
e nunca se acha só.
Passa no barranco úmido
onde meu irmão e eu
moldávamos utensílios
que seriam objetos
de futuras brincadeiras.
Passa em campos amarelos
de arrozais quase maduros
e por verdes feijoais
no tempo de floração
Passa por rios, pinguelas,
ponte estreita e passarela,
pelas mãos da mãe bem jovem,
alinhavando bordados,
moldando argilas e massas
e tinta de toda cor.
Viaja até os acordes
do choroso violão
e da voz grave do pai
com seu canto puro amor
à prova de utopias.

Não posso esquecer, nem quero.
Se esquecer,
renuncio de mim.



Edição em 23 de janeiro de 2019 por J. B. Donadon-Leal