Registrada
em 06 de abril de 2009
A
ALACIB é uma Associação Literária
sem fins econômicos, com sede e foro em Mariana, Minas Gerais,
CNPJ 10778442/0001-17. Tem por objetivo a difusão da cultura
e o incentivo às Letras e às Artes, de acordo com
as normas estabelecidas no seu Regimento. Registrada em 06 de abril
de 2009.
Diretoria
da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil
Presidente:
Andreia Aparecida Silva Donadon Leal
Vice-Presidente: J.S. Ferreira
Secretário-Geral: Gabriel Bicalho
Tesoureiro: J. B. Donadon-Leal
Promotora de Eventos Culturais: Hebe Maria Rôla Santos
Conselho Fiscal e Cultural: José Luiz Foureaux de Souza Júnior,
Magna das Graças Campos e Anício Chaves
Acadêmica
MIRIAM STELLA BLONSKI
Cadeira nº 34
Patrono: Josef
Jerzy Blonski
Notas
Biográficas de Miriam Stella Blonski
Miriam Stella Blonski Nasceu em Duque de Caxias,
R.J. É professora e posteriormente Inspetora Escolar, função
que a levou a vários rincões do Estado e do Brasil.
Trabalhou na Superintendência de Ensino de Belo Horizonte
e Nova Era. É pesquisadora da Cultura Popular, dedicando-se
ao registro de casos, lendas, testemunhos, fazeres e lembranças
das pessoas que encontra nas trilhas que percorre, em especial as
de São Gonçalo do Rio Abaixo, MG, cidade onde reside.
Especializou-se em Literatura, na UFMG, defendendo a dissertação
de mestrado: “A representação do Saci na Cultura
Popular e em Monteiro Lobato.” É articulista do Jornal
“SG Notícias”. Publicou os seguintes livros:
Lilá (infantil), Caderno de Rascunho, O Pescador de Lembranças
(breve introdução à leitura de Maxs Portes),
Corporação Musical Santa Cecília, Trilha de
Lembranças vols. I e II, além da participação
em algumas Antologias. Membro efetivo do InBrasCI-MG, da SBPA e
da Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil e de outras
instituições acadêmicas, literárias e
culturais. Atualmente trabalha na Secretaria de Cultura da Prefeitura
Municipal de São Gonçalo do Rio Abaixo.
Discurso
de Posse
Ilustríssima
Senhora Andreia Aparecida Donadon Leal,
DD.Presidente da Academia de Artes, Ciências e Letras do Brasil
E demais componentes da Diretoria da ALACIB
Ilustres Acadêmicos,
Sra. Ilma de Castro Barros e Salgado,
Sr. Israel Quirino,
Sr. Bruno Mól Crivellari,
Diretores e Membros da Academia Marianense Infantojuvenil de Letras
Autoridades,
Senhoras e Senhores,
Antoine de Saint Exupéry, em seu livro “Terra dos Homens”,
afirmou:
Um monte de pedras deixa de ser um monte de pedras no momento em
que um único homem o contempla, nascendo dentro dele a imagem
de uma catedral. Se ele não puder erguer uma catedral, erga
uma pequena ermida, onde encontre abrigo o viajante cansado.
Tomo a liberdade de dirigir-me a tão ilustre plateia para
falar um pouco de um homem que passou toda a sua vida contemplando
pedras, removendo-as e idealizando catedrais. Ou melhor, transformando
essas pedras em sonhos, e realizando-os, um a um, pacientemente,
deixando suas marcas ao longo da caminhada.
Quem foi esse homem?
Josef Jerzy Blonski, polonês, nascido em Varsóvia,
a 20 de fevereiro de 1899. Faleceu na cidade de São Gonçalo
do Rio Abaixo, Minas Gerais, Brasil, a 22 de setembro de 1977, na
entrada da
primavera, quando os campos cobriam-se das flores amarelas e rosa,
dos ipês.
Com o surgir da 1ª Guerra Mundial, com apenas quinze anos,
imberbe ainda, foi servir à Pátria, e ao alistar-se
como voluntário, ao perguntarem-lhe a idade, ele respondeu:
– Dezoito!
Depois disso, a frente de batalha, fogo cerrado, o sofrimento e
morte de muitos companheiros. A Pátria precisava dos seus
filhos, e ele sempre respondeu: – Presente! À frente
do regimento dos Ulanos ele combateu enquanto foi possível.
Entretanto, as coisas não aconteceram como eles desejavam.
A Polônia foi destroçada. Os oficiais foram confinados
no campo de concentração de Szczypiorno, como prisioneiros,
um exílio voluntário, em nome de um ideal: Polônia
livre. Como consequência, perdeu os seus direitos de cidadão
polonês, inscrevendo-se, posteriormente, no governo do exílio,
em Londres. Passou a ser “Cidadão do Mundo Livre”.
Sempre que falava na sua pátria, dizia lamentar não
poder ter consigo um pouquinho da terra da Polônia. Apesar
disso, inúmeras lembranças, recordações
caras e preciosas, ele guardava no coração.
Chegou ao Brasil em 1929, refugiado de guerra, desembarcando no
Rio de Janeiro. De lá seguiu para Curitiba, no Paraná,
onde foi redator do jornal “Gazeta Polska”.
Em 1930 transfere-se para São Paulo, onde foi chefe de publicidade
do jornal “Você Sabe”.
O tempo foi passando, e ele já tinha suficiente domínio
da língua portuguesa. Precisava, entretanto, revalidar os
estudos feitos na Polônia. Para isso, matriculou-se na Escola
de Agricultura e Pecuária Washington Luiz, onde diplomou-se
Engenheiro Agrônomo. Era um admirador inconteste da flora
brasileira.
Já diplomado, passa a exercer suas atividades no campo da
floricultura e paisagismo, tendo seus trabalhos merecidos a consideração
de Hors Concours, na IV Exposição de Flores, de Petrópolis.
Foi Diretor Técnico da Granja Azul, em Marzagão, Minas
Gerais. Lá recebeu inúmeros prêmios. Fatos que
ele sempre
mencionava orgulhosamente eram a medalha de ouro recebida das mãos
de S.Exa. o Presidente Getúlio Vargas, e também o
abraço de cumprimentos do Presidente Juscelino Kubitschek.
Toda a sua experiência adquirida aqui no Brasil, segundo ele,
precisava ser transmitida para outras pessoas, e a educação
seria a melhor maneira para que tal objetivo se concretizasse. Cria,
então, a Ordem dos Lavradores do Brasil e o Instituto Científico
e Técnico Rural Brasileiro, juntamente com o jornal Cruzada
Rural. Por detrás dessas instituições, muitos
cursos, aulas, escolas sendo criadas pelo Brasil afora. Muita luta,
simbolicamente muitas ermidas, muito pó e cansaço
nas estradas percorridas. Ele nunca desanimava.
Em 1963 ele ouviu falar, pela então Inspetora Escolar Profa.
Maria Auxiliadora de Castro, que havia nas proximidades um povoado
que pleiteava a emancipação, campo propício
para que ele desse continuidade às suas atividades.
Foi até lá. Chegou, contemplou a cidade menina que
nascia e, num desses momentos inexplicáveis, sentiu que era
ali o lugar que há tanto tempo procurava. Seu coração,
todo idealismo e ternura, desdobrou-se em mil providências
e principiou a construção de mais uma obra que viria
dar continuidade aos seus sonhos: um colégio. Aquelas mãos
que num tempo distante empunharam baionetas, para defender sua pátria
querida contra a dominação comunista, que sentiram
na pele os horrores das lutas, agora uniam - se às mãos
brasileiras que lidavam com tijolos e cimento, que erguiam vigas,
que colocavam telhas, que construíam algo que enfrentaria
o tempo e as dificuldades. Aqueles olhos azuis que viram tantas
terras, que se encontraram com olhos irmãos de inúmeras
paragens, agora viam, dia a dia, solidificarem-se os alicerces,
erguerem-se paredes, dar continuidade às construções,
hoje de uma sala, amanhã mais uma, um puxado aqui, outro
acolá, e algo mais acontecer, significativo e forte, que
foi o nascerem amizades, sucederem-se encontros, abrirem-se e se
entenderem muitos corações.
Ali ficou. No fim da Rua Farmacêutico José Cândido
Pessoa, no Beco da Praia, surgiu o Colégio Templário
“Fratérnia”. A
cidade? São Gonçalo do Rio Abaixo, Minas Gerais. Mãos
se uniram a outras mãos. Alguns nomes ficaram marcados, para
sempre, na história. Entre eles podem ser mencionados o Cônego
João José Marques Guimarães, Odilon Martins
Torres, Duílio Martins Guedes, Sílvio Ferreira, Augusto
Pessoa Filho, Élio Araujo, Raimundo Pessoa Costa, José
Maria dos Santos e tantos outros,que viam o colégio crescer,
viam um ideal ser concretizado.Em outubro de 1963 a primeira turma
de alunos iniciou o seu processo de educação sistemática.
Aulas, trabalho constante, dia e noite, inúmeros sacrifícios.
Vieram também as turmas de alfabetização e
de preparação para cursarem o antigo ginásio,
nome dado ao ensino fundamental. Quando ainda nem se cogitava em
alterações nas disciplinas, e o cumprimento da Lei
de Diretrizes e Bases ainda era uma incógnita, o Prof.Blonski
introduziu Práticas Agrícolas, Práticas Comerciais
e Trabalhos Manuais na grade curricular. Também havia aulas
de Inglês e Francês.
Chegou a primeira formatura. A cidade crescia, e com ela o colégio.
Simples, humilde, tosco, mas forte e sério em seu trabalho.
E aquele homem, por detrás de uma obra que sintetizava sua
vida, sorria. Sorria ao ver os jovens que entravam, alegres, livros
nos braços, esperança no coração. Amava
os jovens e as crianças e acreditava no Brasil de amanhã.
Sorria nas ocasiões festivas brasileiras, quando o colégio
saia a desfilar pelas ruas, bandeiras à frente, patriotismo
vivo e vibrante.
Para aquele homem não havia o impossível. Após
as aulas, ou mesmo em recessos, ele percorria as salas vazias e
revivia os momentos de grande movimento, terminando sua inspeção
com as palavras: – “Esses meninos fazem falta...”
Nunca ninguém o procurou, alegando falta de recursos, que
não fosse atendido. Desta forma, chegavam todos, crianças,
jovens, adultos, homens cansados do trabalho árduo diário,
em número cada vez maior, compondo as turmas do Colégio
“Fratérnia”.
O nome do colégio originou-se na Ordem Cavaleiresca que ele
representava, no Brasil, a Ordem dos Cavaleiros
do Templo de Jerusalém, cujos objetivos pregavam a fraternidade,
a cooperação, o trabalho em prol do bem comum. Aliás,
durante a sua permanência no Brasil, ele mantinha correspondência
constante com amigos, conhecidos e dirigentes de inúmeras
ordens tradicionais, das quais fazia parte.
Em 1973 a cidade, por meio dos seus representantes, outorgou a esse
homem de fé inquebrantável, o título de Cidadão
Honorário de São Gonçalo do Rio Abaixo, em
solenidade muito concorrida, inclusive com a presença de
alunos e ex-alunos, que vieram homenageá-lo. Em seu discurso
de agradecimento ele falou do seu amor ao Brasil, país que
o recebeu e onde ele deixava, para a posteridade,o registro das
suas ações na mente de muitos, ações
essas que já faziam parte da história.
Após 16 anos de funcionamento, e cumprida sua missão,
o colégio foi sendo absorvido pelo sistema estadual de ensino,
progressivamente, até o ano de 1979. Antes disso, a cidade
sofreu com uma terrível enchente, que levou parte do prédio,
e pelas águas barrentas e furiosas desceram livros, arquivos,
documentos, sem que ninguém pudesse impedir. O Prof.Blonski,
já idoso e doente, vendo aquele aguaceiro todo, da janela,
pensou que era o mar, e que um navio viria buscá-lo, para
levar para a Polônia.
O Prof.Blonski não fixou na imortalidade do papel a experiência
obtida durante toda a sua vida. Levou-a consigo. Embora sua vida
tenha sido difícil, dolorosa em muitas ocasiões, optou
por manter-se firme e cumprir o lema templário: “Non
nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam”.
Mas se a glória póstuma não cala a dor vivida,
pode ao menos resgatá-la, dando-lhe um sentido. No caso do
Prof.Blonski, isso se deu ao abrirem-se as portas do Colégio
Templário “Fratérnia”, para dar entrada
aos inúmeros alunos, para quem eram abertas, também,
as portas de uma vida mais feliz, porque mais intensa, mais culta,
mais humana. Ao descerem o Beco da Praia, inúmeras pessoas
poderão dizer aos seus filhos, aos amigos, aos visitantes:
_ Aqui viveu o Prof. Blonski, aqui existiu, durante muitos anos,
o Colégio “Fratérnia”.
Cumpriu-se, desta forma, o destino sonhador e idealista de um homem,
que hoje repousa na cidade de São Gonçalo do Rio Abaixo,
município a quem ele dedicou os últimos anos da sua
vida.
Queremos agradecer, em nome da família, a criação
da cadeira nº 34 da ALACIB, cujo Patrono é o Prof. Josef
Blonski, o que muito nos honra. Que as bênçãos
do Pai caiam sobre todos os seus membros, inspirando-lhes as ações.
Muito obrigada.
Contingências da vida
Miriam Stella Blonski
No princípio, a conta por pagar. O credor, homem esperto
e calculista, já debitava os juros automaticamente. Quando
se encontravam, e isso ocorria diariamente, o usurário lançava-lhe
um sorrisinho debochado, como quem diz:_ “Não tem condições
de saldar o débito, para que assumiu o compromisso? Problema
seu!”
Os dias passavam e a preocupação do pobre coitado
aumentava. Já havia tentado a loteria, inúmeras vezes.
Nessas ocasiões botava fé nos bilhetes e já
se via chegando na Caixa Econômica, no dia seguinte, bilhete
premiado nas mãos, para receber o dinheiro. Imediatamente
chegaria até o agiota, entregaria a quantia inicial, acrescida
dos terríveis juros e correções possíveis
e inimagináveis, assumindo uma expressão de vencedor,
para surpresa do mesmo. De cada vez dormia um sono reconfortante.
Entretanto, a sorte não lhe era favorável.
De repente, uma ideia salvadora. Um banco, como não havia
pensado nisso antes? Seria a solução. Em tempos de
empréstimos consignados, nada mais fácil. Acontece
que ele não trabalhava com carteira assinada, não
tinha emprego fixo. Descontar as prestações mensais
onde? Havia, ainda, o empréstimo direto ao cliente. Sim,
valia a pena tentar.
Arrumou-se como em dias domingueiros e lá se foi. Nas mãos
e no rosto o cumprimento cordial, e no coração uma
incomensurável esperança. Entrou na fila para falar
com o gerente. Enquanto esperava, procurou analisar o homem pelos
seus gestos. É... Parece boa pessoa, decidido. Tem um ar
amigável. Afinal das contas, o banco não apregoava,
em suas propagandas, que o cliente estava em primeiro lugar, e que
os funcionários eram orientados para atender todas as questões
dos clientes? Já
estava até pensando na quantia a ser solicitada, e que o
salvaria. Pagaria as contas, e em consequência teria uns tempos
de tranquilidade. Nesse meio tempo com certeza surgiriam novas oportunidades
de trabalho, dinheiros extras, que lhe facultariam a cervejinha
e os cigarros do dia. Quem sabe criaria coragem para convidar a
vizinha para um passeio? Até aquela ocasião se limitara
a olhá-la de longe, mas como não tinha nem onde cair
morto, ficava só nisso. Bem que a moça, em certa ocasião,
olhara para ele com o ar de dúvida, se ele seria o interlocutor
anônimo da rede social. Isso porque ele se arriscava a mandar
mensagens românticas de um telecentro que existia perto da
sua casa. Só que, ao ver seus trajes simples e seu jeito
meio antiquado e fora de moda, ela o eliminara da lista dos possíveis
pretendentes. Nessa ocasião cresceu a sua vontade de ser
muito rico.
Chegou a sua vez. Respirou fundo e lá se foi, conversar com
o gerente. Fez o pedido, acrescentando firmes propósitos
de quitar a dívida antes mesmo do vencimento. O homem escutou-o
sem interromper, e com a diplomacia costumeira de quem ocupa tal
cargo numa instituição bancária, explicou-lhe
que embora não estivessem fazendo empréstimos daquela
natureza, poderia abrir uma exceção, desde que fosse
apresentado um bom avalista. E agora? Despediram-se, e ele prometeu
voltar no dia seguinte. Foi-lhe entregue toda a papelada do contrato
para preencher,inclusive com inúmeras assinaturas, suas e
do avalista.
Saiu para a rua meio atordoado com a carga de preocupação
que lhe caíra novamente em cima dos ombros. Também,
que sujeito desconfiado... Não percebeu que ele era um homem
de respeito, honesto, cumpridor dos compromissos? E agora, quem
seria o seu fiador?
Começou a romaria. Um não podia porque havia comprado
um aparelho de TV, moderníssimo, 60 polegadas, última
geração. Outro porque pretendia fazer uma viagem,
outro porque estava desprevenido e ainda aquele que não podia
mesmo. Passasse em sua casa qualquer dia, para tomarem alguma coisa
e conversarem um pouco de tudo. Bons amigos, aqueles! Lembrou-se
de mais um, última tentativa, e lá se foi. A estas
alturas, estômago vazio, a roupa
já não tão arrumada, as esperanças uma
a uma rumando para o mundo do impossível. Ao atravessar uma
rua, alguém lhe pisa nos pés. Foi a conta. Droga!
Não olha por onde anda, seu imbecil? E mais uma série
de imprecações que o bem senso não permite
repetir, aumentadas infinitamente em seus pensamentos.
Entrou num edifício e tomou o elevador. Cinco, sete, doze.
Era ali.Procurou a sala onde trabalhava o amigo e despejou, num
segundo, toda a sua amargura e desesperança. Pronto. É
isso. Agora preciso urgentemente de um avalista. O amigo olhou bem
para ele, e um pouco por pena, um pouco por amizade mesmo, concordou.
Não tinha grandes posses, não sabia se o banco concordaria
em correr tal risco, mas estava pronto a ajudá-lo. O outro
ficou ali, bestificado, surpreendido, mal acreditando no que ouvira.
Incrível! Correra pessoas com muito melhor condição
financeira, e recebia solidariedade logo de quem menos esperava.
Sim, senhor! Preencheram os papéis, assinaram tudo, fizeram
cópias dos documentos pessoais de ambos. Despediram-se, agora
com a amizade muito mais reforçada.
Foi para casa e dormiu um sono pesado, confuso, onde apareciam homens
que se riam dele, dedos em riste, uma televisão enorme que
lhe caía na cabeça e formava galos coloridos, milhares
de cédulas que caíam do céu qual maná
em tempo de milagre. No pesadelo, sentia-se integrante da famosa
peça “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare,
onde, num julgamento,o personagem Shylock, que agora era o gerente
do banco, e depois o seu maldito credor, exige uma libra de carne
do devedor como garantia do contrato de empréstimo. Já
via um terrível facão cortar-lhe um pedaço
do corpo...
Acordou todo suado e nervoso.
Conseguiu o empréstimo. Acertou as contas e ficou em paz
com o mundo e consigo mesmo. Passaram-se três meses. Recebeu
carta do banco, visita do amigo fiador, mais uma cobrança,
e outra, e mais outra. Veio a carta do SPC, incluindo-o no cadastro
de inadimplentes. Bem que o dinheiro havia sido providencial, mas
não resistiu ao desejo de enviar flores para a vizinha, com
um bilhete inflamado e um coração. Anônimo,
como de costume. Alem disso comprou roupas novas, divertiu-se, pensando
que três meses eram a própria eternidade. E agora?
No outro dia, internaram-no em um hospital para doentes nervosos.
Coitado! Teimava em convencer os médicos e enfermeiros de
que era um banqueiro, riquíssimo. Queria comprar tudo o que
via pela frente.
E o amigo pagou a promissória.
Edição
em 30 de janeiro de 2019 por J. B. Donadon-Leal