O
Contemporâneo e a Poesia Hoje: Aldravia
Cínthia
Marítz dos Santos Ferraz
Mestranda em Literatura {Cultura e Sociedade} - UFV
A
pergunta que prefigura o limiar desta reflexão consiste em:
“O que é o contemporâneo?” Por conseguinte,
ela se desdobra em: o que significa ser contemporâneo? Este
é, então, o “tempo” do nosso pensar e sobre
ele precisamos discutir para que entendamos melhor sobre o novo âmbito
da poesia atual.
Barthes, numa anotação dos seus cursos no Collège
de France, assim resumiu a possível resposta: “O contemporâneo
é o intempestivo”. Friedrich Nietzsche, à época
de 1874, ainda um jovem filólogo, rebatera a consideração
de Barthes, situando, na sua exigência de “atualidade”,
a contemporaneidade numa relação com o presente e não
com o passado, comoinferira o crítico literário e filósofo
francês.
Para Nietzsche, a relação com o tempo deve ser desconexa
e dissociada, sendo verdadeiramente contemporâneo e atual, aquele
que não coincide perfeitamente com o seu tempo, com as pretensões
deste. Contemporaneidade e atualidade são, portanto, termos
que exigem, por compreensão, mais do que uma relação
diacrônica com o tempo, pois contínuo, ele se esquiva
à fôrma e à percepção. Para apreender-lhe
minimamente, ao homem, experimentador de seu tempo, será necessária
uma nova e singular relação com sua própria época.
Em O que é o contemporâneo e outros ensaios, Giorgio
Agamben (2009) contempla uma profícua investigação
acerca do problema do tempo e da nossa experiência de tempo,
incitando-nos a refletir sobre os usos e as aplicações
de “contemporaneidade” e “atualidade” frente
ao pensamento e à produção de conhecimento durante
o correr deste estudo.
No segundo ensaio que dá título à obra, “O
que é o contemporâneo?”, o filósofo italiano
aponta, inicialmente, uma provisória indicação
para orientação sobre os termos, com base em reflexões
alçadas por Friedrich Nietzsche em 1874. Corroborando com Nietzsche
acerca da relação com o presente, para Agamben (2009),
só é verdadeiramente contemporâneo ou atual o
homem que não coincide ou não procede perfeitamente
com seu tempo e seus aspectos. Isto equivale a dizer que só
se pode considerar contemporâneo ou atual alguém que
mantenha consciência sobre o tempo cronológico que experimenta
em ritmo de observação-reflexão. Este observar,
como já fora posto, requer um exercício de deslocamento
ou anacronismo do homem para com seu próprio tempo, evidenciando
uma ímpar relação entre ambos.
Ao se exteriorizar ou inatualizar, aquele que vive o tempo consegue
discernir e escapar às prerrogativas e pretensões de
sua época, e, mais capaz que os outros, mantém sobre
ela olhar fixo, atento e questionador. O pensamento contemporâneo
ou consciência contemporânea significam, portanto, desvencilhar-se
das amarras do tempo para, à distância segura, observá-lo,
questioná-lo, interpelá-lo.
Estreitando o curso de nossas reflexões com o pensamento literário,
Giorgio Agamben propõe uma segunda definição
para o termo: “contemporâneo é aquele que mantém
fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes,
mas o escuro” (AGAMBEN, 2009, p. 62). Introduzindo nova orientação
ao termo que designa aquele que observa o seu presente, o investigador
nos aponta este homem como alguém que não se deixa cegar
pelo incessar do relógio e das vogas que o cerceiam. O pensamento
contemporâneo, então, deve buscar compreender não
somente as luzes que se acendem à sua volta, mas também
as sombras ou penumbras encobertas ou silenciadas pelo seu tempo e
pela sua história. É aquele que interpela mais as obscuridades
do que as luzes ao seu redor. Ser “contemporâneo”
ou “atual” é, neste sentido, pensar de modo intimamente
comprometido com seu tempo, percebendo-lhe algo transformador, posicionando-se
sobre ele para também transformá-lo; para lê-lo
de modo inédito.
O pensamento literário encontra neste horizonte de percepção
fecundo e amplo terreno para a produtividade e a potencialização.
À maneira como se caracteriza o panorama literário contemporâneo
brasileiro de produção do conhecimento, a escrita literária
se assume enquanto reempenhamento mediante a pluralidade perceptiva.
Imponderável, intraduzível e impalpável, a temporalidade
abandona a referencialidade histórica e, desafio “criativo”
para o escritor, se traduz em criação artística
que ultrapassa o simples somatório de fontes e influências.
A experiência do contemporâneo se transforma em experiência
literária a partir do momento em que cessa de se alimentar
com símbolos correntes para criar seus próprios símbolos.
A poesia contemporânea brasileira hojeparece-nos traduzir muito
bem este movimento do pensar literário ou caráter da
ação poética, tendo dentre seus representantes
e suas vertentes temáticas, diversos expoentes em destaque
como Andreia Donadon Leal, José Benedito Donadon Leal, Gabriel
Bicalho e J. S. Ferreira, MessodyBenoliel, Luiz Poeta, entre outros,cujos
trabalhos se caracterizam pela pesquisa de linguagem, com ênfase
nas poéticas inovadoras ou experimentais como o Movimento mineiro
Aldravista, de que são fundadores e principais representantes,
que se caracteriza por uma nova forma poética que vem ganhando
destaque no país e fora dele. Segundo J. B.Donadon-leal (2011),
o poema é constituído de uma linométrica de até
seis palavras, distribuídas em seis versos. Esta escolha, embora
aleatória busca a condensação de significados
com o mínimo de palavras, conforme o espírito poundiano
de poesia, como assinala o também poeta. A poeta Andreia Donandon
Leal assim ilustra e ilumina o novo conceito em Germinais de 2011:
“aldravia
poetar
mundo
em
seis
palavras”
“jaz
utopia
na
poesia
da
contemporaneidade”
“difícil
é
ser
poesia
nas
obviedades”
Nestas aldravias, a autora transparece ao passo que elabora a nova
consciência em que se caracteriza o ato poético na atualidade,
argumentando eu seu poema-texto de seis palavras, ser difícil
poetar nas obviedades.
Observamos assim, que estes poetas contemporâneos captaram perfeitamente
a nova postura da ação literária atual e quiseram,
alguns, ultrapassar as fronteiras de um conceitualismo poético
e estético crescente, advindo da intelectualização
e massificação modernas por meio de uma poesia, que,
a propósito do próprio nome, que descendente de “aldrava”,
termo usado para nomear a peça em bronze ou latão fixada
na porta de entrada para usar como batedor, viabiliza a contundente
e necessária proximidade entre leitor e poesia nestes nossos
tempos. A Aldravia possui, portanto, estilo e forma que lhe confere
as modernas cores da nossa contemporaneidade, em sua configuração
de poesia hoje.
Bibliografia
consultada:
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: ______.
O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Tradução
de Vinícius NicastroHonesko. Santa Catarina: Argos, 2009.
BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.
In: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1986, 2 ed.
BICALHO, Gabriel; LEAL, Andreia Donadon; DONADON-LEAL, J. B; FERREIRA,
J. S. Germinais - aldriavias{ nova forma poética}. Mariana:
Aldrava Letras e Artes, 2011, 1 Ed.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo:Cultrix,
1993.
NEJAR, Carlos. Cadernos de Fogo: ensaios sobre poesia e ficção.
São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
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criada em 16 de outubro de 2012
Editor: J. B. Donadon-Leal