Jornal Aldrava Cultural
ISSN 1519-9665 - QUALIS CAPES C
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O Contemporâneo e a Poesia Hoje: Aldravia

Cínthia Marítz dos Santos Ferraz
Mestranda em Literatura {Cultura e Sociedade} - UFV

A pergunta que prefigura o limiar desta reflexão consiste em: “O que é o contemporâneo?” Por conseguinte, ela se desdobra em: o que significa ser contemporâneo? Este é, então, o “tempo” do nosso pensar e sobre ele precisamos discutir para que entendamos melhor sobre o novo âmbito da poesia atual.
Barthes, numa anotação dos seus cursos no Collège de France, assim resumiu a possível resposta: “O contemporâneo é o intempestivo”. Friedrich Nietzsche, à época de 1874, ainda um jovem filólogo, rebatera a consideração de Barthes, situando, na sua exigência de “atualidade”, a contemporaneidade numa relação com o presente e não com o passado, comoinferira o crítico literário e filósofo francês.
Para Nietzsche, a relação com o tempo deve ser desconexa e dissociada, sendo verdadeiramente contemporâneo e atual, aquele que não coincide perfeitamente com o seu tempo, com as pretensões deste. Contemporaneidade e atualidade são, portanto, termos que exigem, por compreensão, mais do que uma relação diacrônica com o tempo, pois contínuo, ele se esquiva à fôrma e à percepção. Para apreender-lhe minimamente, ao homem, experimentador de seu tempo, será necessária uma nova e singular relação com sua própria época.
Em O que é o contemporâneo e outros ensaios, Giorgio Agamben (2009) contempla uma profícua investigação acerca do problema do tempo e da nossa experiência de tempo, incitando-nos a refletir sobre os usos e as aplicações de “contemporaneidade” e “atualidade” frente ao pensamento e à produção de conhecimento durante o correr deste estudo.
No segundo ensaio que dá título à obra, “O que é o contemporâneo?”, o filósofo italiano aponta, inicialmente, uma provisória indicação para orientação sobre os termos, com base em reflexões alçadas por Friedrich Nietzsche em 1874. Corroborando com Nietzsche acerca da relação com o presente, para Agamben (2009), só é verdadeiramente contemporâneo ou atual o homem que não coincide ou não procede perfeitamente com seu tempo e seus aspectos. Isto equivale a dizer que só se pode considerar contemporâneo ou atual alguém que mantenha consciência sobre o tempo cronológico que experimenta em ritmo de observação-reflexão. Este observar, como já fora posto, requer um exercício de deslocamento ou anacronismo do homem para com seu próprio tempo, evidenciando uma ímpar relação entre ambos.
Ao se exteriorizar ou inatualizar, aquele que vive o tempo consegue discernir e escapar às prerrogativas e pretensões de sua época, e, mais capaz que os outros, mantém sobre ela olhar fixo, atento e questionador. O pensamento contemporâneo ou consciência contemporânea significam, portanto, desvencilhar-se das amarras do tempo para, à distância segura, observá-lo, questioná-lo, interpelá-lo.
Estreitando o curso de nossas reflexões com o pensamento literário, Giorgio Agamben propõe uma segunda definição para o termo: “contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro” (AGAMBEN, 2009, p. 62). Introduzindo nova orientação ao termo que designa aquele que observa o seu presente, o investigador nos aponta este homem como alguém que não se deixa cegar pelo incessar do relógio e das vogas que o cerceiam. O pensamento contemporâneo, então, deve buscar compreender não somente as luzes que se acendem à sua volta, mas também as sombras ou penumbras encobertas ou silenciadas pelo seu tempo e pela sua história. É aquele que interpela mais as obscuridades do que as luzes ao seu redor. Ser “contemporâneo” ou “atual” é, neste sentido, pensar de modo intimamente comprometido com seu tempo, percebendo-lhe algo transformador, posicionando-se sobre ele para também transformá-lo; para lê-lo de modo inédito.
O pensamento literário encontra neste horizonte de percepção fecundo e amplo terreno para a produtividade e a potencialização. À maneira como se caracteriza o panorama literário contemporâneo brasileiro de produção do conhecimento, a escrita literária se assume enquanto reempenhamento mediante a pluralidade perceptiva.
Imponderável, intraduzível e impalpável, a temporalidade abandona a referencialidade histórica e, desafio “criativo” para o escritor, se traduz em criação artística que ultrapassa o simples somatório de fontes e influências. A experiência do contemporâneo se transforma em experiência literária a partir do momento em que cessa de se alimentar com símbolos correntes para criar seus próprios símbolos.
A poesia contemporânea brasileira hojeparece-nos traduzir muito bem este movimento do pensar literário ou caráter da ação poética, tendo dentre seus representantes e suas vertentes temáticas, diversos expoentes em destaque como Andreia Donadon Leal, José Benedito Donadon Leal, Gabriel Bicalho e J. S. Ferreira, MessodyBenoliel, Luiz Poeta, entre outros,cujos trabalhos se caracterizam pela pesquisa de linguagem, com ênfase nas poéticas inovadoras ou experimentais como o Movimento mineiro Aldravista, de que são fundadores e principais representantes, que se caracteriza por uma nova forma poética que vem ganhando destaque no país e fora dele. Segundo J. B.Donadon-leal (2011), o poema é constituído de uma linométrica de até seis palavras, distribuídas em seis versos. Esta escolha, embora aleatória busca a condensação de significados com o mínimo de palavras, conforme o espírito poundiano de poesia, como assinala o também poeta. A poeta Andreia Donandon Leal assim ilustra e ilumina o novo conceito em Germinais de 2011:
“aldravia
poetar
mundo
em
seis
palavras”

“jaz
utopia
na
poesia
da
contemporaneidade”

“difícil
é
ser
poesia
nas
obviedades”

Nestas aldravias, a autora transparece ao passo que elabora a nova consciência em que se caracteriza o ato poético na atualidade, argumentando eu seu poema-texto de seis palavras, ser difícil poetar nas obviedades.
Observamos assim, que estes poetas contemporâneos captaram perfeitamente a nova postura da ação literária atual e quiseram, alguns, ultrapassar as fronteiras de um conceitualismo poético e estético crescente, advindo da intelectualização e massificação modernas por meio de uma poesia, que, a propósito do próprio nome, que descendente de “aldrava”, termo usado para nomear a peça em bronze ou latão fixada na porta de entrada para usar como batedor, viabiliza a contundente e necessária proximidade entre leitor e poesia nestes nossos tempos. A Aldravia possui, portanto, estilo e forma que lhe confere as modernas cores da nossa contemporaneidade, em sua configuração de poesia hoje.

Bibliografia consultada:
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: ______. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Tradução de Vinícius NicastroHonesko. Santa Catarina: Argos, 2009.
BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986, 2 ed.
BICALHO, Gabriel; LEAL, Andreia Donadon; DONADON-LEAL, J. B; FERREIRA, J. S. Germinais - aldriavias{ nova forma poética}. Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2011, 1 Ed.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo:Cultrix, 1993.
NEJAR, Carlos. Cadernos de Fogo: ensaios sobre poesia e ficção. São Paulo: Escrituras Editora, 2000.


 

Página criada em 16 de outubro de 2012
Editor: J. B. Donadon-Leal