Vitrais:
a diáspora dos signos
Ms. Magna Campos
(Mestre em Letras: discurso e representação)
O olho é aquilo que foi comovido
por um certo impacto domundo.
Merleau-Ponty
Ler
é sempre e em qualquer circunstância um desafio de retirar
do silêncio sentidos possíveis e prováveis e trazê-los
à tona para apreciação. Mas a leitura da imagem
é ainda mais desafiadora e, muitas vezes, polêmica.
Na obra aqui colocada sobre leitura, intenta-se um diálogo
com os signos nela em luta. Toma-se como texto de leitura a tela intitulada
“Vitrais”, da artista plástica, Deia Leal, cujo
estilo é proposto como metonímico e não metafórico
como é comum de se esperar da arte.
Figura 1: Vitral
Acrílica sobre eucatex – 40x40 – 2010
A
artista em questão faz parte de um “movimento artístico-literário”,
nascido há 12 anos, no interior de Minas Gerais, intitulado
de Aldrava. Para esse movimento,
[a] Arte Aldravista é
expressão de liberdade, romper barreiras formais de produção
e ousar criar conceitos novos, é Arte Metonímica, em
que autor e leitor percebem porções daquilo que é
possível. O leitor metonímico é aquele que busca
algo que só ele viu.A obra aldravista não é presa
a uma forma exclusiva e está autorizada a ser experimentação
de formas compostas de qualquer substância [...] A obra aldravista
não é presa a uma forma; molda-se à forma que
melhor seja expressão de um indício de conteúdo.
A arte aldravista está autorizada a ser experimentação
de formas compostas de qualquer substância – som, imagens,
letras, sinais, figuras, matérias sólidas, vazios. (DONADON-LEAL,
[200?], p. 1)
Por
isso, a metonímia é a função carreadora
de sentidos buscada na produção dos escritores e dos
artistas plásticos pertencentes ao movimento.
Todavia, como o estranhamento pode estar presente nas interpretações
de leitores que, acostumados à função metafórica
da arte, promovem uma relação de luta, na tentativa
de significar esse novo texto, dotado de outra função;
assim, procura-se fazer, sumariamente, uma leitura dessa diáspora
dos signos, promovida pelo movimento, em um exemplar de texto pertencente
à corrente aldravista de produção artística.
O conceito de diáspora é mais comumente empregado nos
estudos de identidades e de subjetividades, no entanto, como se verifica
que essa nova linguagem artística, a aldravista, configura
identidades múltiplas, perpassada por um traço em comum,
a fragmentação metonímica proposital e a força
da experimentação de indícios de conteúdo,
parece ser bastante apropriada uma leitura dessa diáspora sígnica.
O conceito de diáspora se apoia sobre uma concepção
binária dediferença: por um lado está fundado
em uma ideia que depende da construção de umOutro, e
de uma oposição rígida entre o dentro e o fora.
O que, em seu manifesto, o aldravismo descarta, pois se diz sem a
pretensão de superar tendência alguma, apenas busca aproveitar
as portas discursivas abertas pelo pós-modernismo. Por outro
lado, tem-se a percepção da diferença cujo significado
é crucial à cultura, uma vez queeste não pode
ser fixado definitivamente, já está sempre em movimento,
assim tornando-se constantemente híbrido (HALL, 2003).
Nessa concepção, o binarismo do sentido e do não
sentido são perpassados pelo processo mais fluido do “fazer
sentido”. Assim, a força subversiva dessa tendência
hibridizante desarticula certos signos e rearticula de outra forma
seu significado simbólico.
Desta forma, a tela-texto “Vitrais”, acende-se sob o olhar
do leitor, em cores amarelo, vermelho, verde, azul e preto, sem mostrar
seu contexto, simplesmente promove o primeiro contato sensorial pela
luminosidade. O acrílico empregado dialoga com a vidraçaria
de um vitral-objeto, transpondo para o vitral-representação
a sensação do quebrável, do delével.
As pinceladas dadas da esquerda para a direita orientam o olhar prospectivamente,
lançando o desafio de deixar passar a luz à frente,
ao futuro talvez. As formas e as cores formam texturas indiciais de
um jogo de tensões entre espaço e luz, na luta pela
atenção do olhar.
Mas como saber se essa era a proposta da artista? Não
se saberá, e também não importa, pois
na arte metonímica – autor e leitor percebem porções
daquilo que é possível, segundo seu critério
de julgamento. O sujeito da produção da arte metonímica
é criativo quanto mais inova no quesito: o que é que
somente eu vi. O leitor metonímico é aquele que busca
algo que só ele viu. A liberdade e a metonímia tornam-se
os pilares da arte aldravista.(DONADON-LEAL, [200?], p. 1)
Na
luta pelo indício de conteúdo e não pelo significado,
a tela promove o “fazer sentido” naquela proposta simbólica
e conceitual, pois não negociao cenário da imagem que
produz – metáfora –, apenas sugere um “naco”
do conteúdo que escolheu trabalhar – metonímia.
Assim, não fosse o título dado à obra, as possibilidades
de sentidos seriam vazadas pelas incertezas do que se trata.
Apresentada assim, fragmento da realidade, descontextualizado, implode
as barreiras do sentido previsto e adentra a pluralidade sígnica,
reinterpretando o espaço e a forma, livres do elemento tempo,
já que abre mão do contexto, e figura como um reduto
do olhar que busca aquilo que só ele viu. Ao não reconhecer
os elos, previsíveis, entre contexto e texto, aquele que olha
é levado a calcar-se no indício sensorial daquilo que
vê, lendo a tela e não sobre a tela.
Portanto, a luta sígnica é a trajetória entre
a semelhança e a diferença que perpassa o movimento
a que esta obra pertence e alcança a própria obra.
Referência
bibliográfica:
HALL, Stuart. Da Diáspora Identidades e Mediações
Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
DONADON-LEAL, J.B. O que é aldravismo. Jornal Aldrava Cultural.
Disponível em: http://www.jornalaldrava.com.br/pag_quem_somos.htm.
Acesso em: 14 out. 2012.
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criada em 16 de outubro de 2012
Editor: J. B. Donadon-Leal