Jornal Aldrava Cultural
ISSN 1519-9665 - QUALIS CAPES C
Revista Aldrava Letras e Artes
Artes Visuais
Cartas

 

Vitrais: a diáspora dos signos


Ms. Magna Campos
(Mestre em Letras: discurso e representação)

O olho é aquilo que foi comovido por um certo impacto domundo.
Merleau-Ponty

Ler é sempre e em qualquer circunstância um desafio de retirar do silêncio sentidos possíveis e prováveis e trazê-los à tona para apreciação. Mas a leitura da imagem é ainda mais desafiadora e, muitas vezes, polêmica.
Na obra aqui colocada sobre leitura, intenta-se um diálogo com os signos nela em luta. Toma-se como texto de leitura a tela intitulada “Vitrais”, da artista plástica, Deia Leal, cujo estilo é proposto como metonímico e não metafórico como é comum de se esperar da arte.


Figura 1: Vitral Acrílica sobre eucatex – 40x40 – 2010

A artista em questão faz parte de um “movimento artístico-literário”, nascido há 12 anos, no interior de Minas Gerais, intitulado de Aldrava. Para esse movimento,

[a] Arte Aldravista é expressão de liberdade, romper barreiras formais de produção e ousar criar conceitos novos, é Arte Metonímica, em que autor e leitor percebem porções daquilo que é possível. O leitor metonímico é aquele que busca algo que só ele viu.A obra aldravista não é presa a uma forma exclusiva e está autorizada a ser experimentação de formas compostas de qualquer substância [...] A obra aldravista não é presa a uma forma; molda-se à forma que melhor seja expressão de um indício de conteúdo. A arte aldravista está autorizada a ser experimentação de formas compostas de qualquer substância – som, imagens, letras, sinais, figuras, matérias sólidas, vazios. (DONADON-LEAL, [200?], p. 1)

Por isso, a metonímia é a função carreadora de sentidos buscada na produção dos escritores e dos artistas plásticos pertencentes ao movimento.
Todavia, como o estranhamento pode estar presente nas interpretações de leitores que, acostumados à função metafórica da arte, promovem uma relação de luta, na tentativa de significar esse novo texto, dotado de outra função; assim, procura-se fazer, sumariamente, uma leitura dessa diáspora dos signos, promovida pelo movimento, em um exemplar de texto pertencente à corrente aldravista de produção artística.
O conceito de diáspora é mais comumente empregado nos estudos de identidades e de subjetividades, no entanto, como se verifica que essa nova linguagem artística, a aldravista, configura identidades múltiplas, perpassada por um traço em comum, a fragmentação metonímica proposital e a força da experimentação de indícios de conteúdo, parece ser bastante apropriada uma leitura dessa diáspora sígnica.
O conceito de diáspora se apoia sobre uma concepção binária dediferença: por um lado está fundado em uma ideia que depende da construção de umOutro, e de uma oposição rígida entre o dentro e o fora. O que, em seu manifesto, o aldravismo descarta, pois se diz sem a pretensão de superar tendência alguma, apenas busca aproveitar as portas discursivas abertas pelo pós-modernismo. Por outro lado, tem-se a percepção da diferença cujo significado é crucial à cultura, uma vez queeste não pode ser fixado definitivamente, já está sempre em movimento, assim tornando-se constantemente híbrido (HALL, 2003).
Nessa concepção, o binarismo do sentido e do não sentido são perpassados pelo processo mais fluido do “fazer sentido”. Assim, a força subversiva dessa tendência hibridizante desarticula certos signos e rearticula de outra forma seu significado simbólico.
Desta forma, a tela-texto “Vitrais”, acende-se sob o olhar do leitor, em cores amarelo, vermelho, verde, azul e preto, sem mostrar seu contexto, simplesmente promove o primeiro contato sensorial pela luminosidade. O acrílico empregado dialoga com a vidraçaria de um vitral-objeto, transpondo para o vitral-representação a sensação do quebrável, do delével.
As pinceladas dadas da esquerda para a direita orientam o olhar prospectivamente, lançando o desafio de deixar passar a luz à frente, ao futuro talvez. As formas e as cores formam texturas indiciais de um jogo de tensões entre espaço e luz, na luta pela atenção do olhar.

Mas como saber se essa era a proposta da artista? Não se saberá, e também não importa, pois

na arte metonímica – autor e leitor percebem porções daquilo que é possível, segundo seu critério de julgamento. O sujeito da produção da arte metonímica é criativo quanto mais inova no quesito: o que é que somente eu vi. O leitor metonímico é aquele que busca algo que só ele viu. A liberdade e a metonímia tornam-se os pilares da arte aldravista.(DONADON-LEAL, [200?], p. 1)

Na luta pelo indício de conteúdo e não pelo significado, a tela promove o “fazer sentido” naquela proposta simbólica e conceitual, pois não negociao cenário da imagem que produz – metáfora –, apenas sugere um “naco” do conteúdo que escolheu trabalhar – metonímia. Assim, não fosse o título dado à obra, as possibilidades de sentidos seriam vazadas pelas incertezas do que se trata.
Apresentada assim, fragmento da realidade, descontextualizado, implode as barreiras do sentido previsto e adentra a pluralidade sígnica, reinterpretando o espaço e a forma, livres do elemento tempo, já que abre mão do contexto, e figura como um reduto do olhar que busca aquilo que só ele viu. Ao não reconhecer os elos, previsíveis, entre contexto e texto, aquele que olha é levado a calcar-se no indício sensorial daquilo que vê, lendo a tela e não sobre a tela.
Portanto, a luta sígnica é a trajetória entre a semelhança e a diferença que perpassa o movimento a que esta obra pertence e alcança a própria obra.

Referência bibliográfica:
HALL, Stuart. Da Diáspora Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
DONADON-LEAL, J.B. O que é aldravismo. Jornal Aldrava Cultural. Disponível em: http://www.jornalaldrava.com.br/pag_quem_somos.htm. Acesso em: 14 out. 2012.


 

Página criada em 16 de outubro de 2012
Editor: J. B. Donadon-Leal