Geraldo
Reis (publicado no Jornal Aldrava Cultural – maio/2001-
n° 06)
Ó
meus burros meus de carga rara
O que levais, irmãos, o que trazeis
Em vossas almas de burros
Humanas e brabas?
Em vossos ventres
Rotos alforjes de ontem, hoje e amanhã?
O que levais?
O que trazeis?
Ouro para o agouro?
Traves para o touro?
Brocados para o Conde?
Ó meus burros meus,
Minas
é
onde?
O
QUE SERÁ DE MIM
Luiz
Tyller Pirolla (publicado no Jornal Aldrava Cultural
– maio/2001- n° 06)
O que será de mim
Quando tudo
acabar
e eu
reencontrar
Aqueles que
eu nunca
aqui
encontrei
E antes
nesse breve
tempo
Que vai daqui
a um lugar
determinado
e
ignorado
por mim
Como me
proteger
para chegar
inteiro
e só então
me desfazer?
Não sei
e vou
absolutamente
sem entender
O imenso
mistério
de haver
estrelas no céu
E pessoas
que existiram
antes de mim
E mesmo
que existiram
antes de mim
E mesmo
remotamente
algum
Que pode
ter sido
eu
Revivendo
os passos da cruz
J.S.Ferreira
(publicado no Jornal Aldrava Cultural – abril/2001-
n° 05)
O sino da Catedral
reluz,
ante o olhar sombrio
das estrelas.
Há
um forte cheiro de incenso
pelos ares.
Pelas
ruas estreitas e seculares,
uma imensa procissão de velas:
segue em passos lentos
os ritos dos ancestrais,
levando o Corpo de Cristo,
revivendo os Passos da Cruz!
desencurvando
o arco-íris (I)
gabriel
bicalho (publicado no Jornal Aldrava Cultural –
abril/2001- n° 05)
I
meu poema moderno
nem trocou o seu terno
de 22
II
meu poema concreto
argamassou
todo o alfabeto
III
meu poema práxis
veloz como um táxi
atropelou a sintaxe
e acabou sem gasolina
em pleno plano (plenário)
IV
meu poema vanguarda
trajou sua farda
pois que a liberdade
inda fora tardia
V
meu poema social
virou comunista
e sumiu do mapa
sem deixar uma pista
VI
meu poema “underground”
transgredindo leis
e traficando drogas
sofreu voz de prisão
VII
meu poema processo
que mal foi processado
encontra-se arquivado
nos bureaus burocráticos
dos brasil varonil
VIII
meu poema cartaz
promoveu passeata
reivindicou salário
fez discurso de otário
e como coisa chata
deve ir pro penico
de qualquer deputado
IX
meu poema das metas
minha metapoesia
perdeu todas as retas
e ficou sem poesia
X
meu poema protesto
amanhã saltará
do viaduto do chá
(exatamente às 5 da tarde:
hora oficial da academia?)
por absoluto desencanto
com a poesia/
literatura/literatice/
chatice internacional!
Soneto
das crimpas groufas
J. B. Donadon-Leal (publicado no Jornal Aldrava Cultural
– jan./fever/2002- n° 13)
Das crimpas
groufas do auféu ronfir
bronfam prescas ferfes de alestás trus
e aos cris langóis mais pampéis eu grus,
cantende, pesdrufo em buféu glonfir.
Blambi
rofez: – Quá lanã sez laxi?
Aufente e pécrio na candefa zonze
tás condir de alandê zanzã paxi,
denquanjo em bléns duá to minã minonge.
Mir!
Ziá glingléu pandeia mercã,
aucofa lante a pandiar zonzás
marmante, lingüente ao glingir fer cã.
Mir!
Blinhá pinféu tum guidar fengás
qualifegante a mirmintar tufã
das crimpas groufas ferfo em mirminás.
Alvíssaras
Lázaro
Francisco da Silva (publicado no Jornal Aldrava Cultural
– março/abril/2003- n° 24)
Quando
a pequena frota portuguesa
entrou em mar mais raso
lá no mastro
da nau capitânea de Cabral
ouve-se um grito:
“Terra a prazo!”
Sociedade
dos Poetas Mortos
Andréia
Donadon Leal
Mofo
impregna
narina.
A linguagem
está no final!
Afunda
no fundo
:
buraco
úmido
cheio de ratos.
A linguagem
viva
pura
bela
parte
linhas
e
frases
fora de moda.
Pobres versos
jogados
adormecidos...
Pobres!
Estante empoeirada
vergada
de mortos...
Amor
ficado
de último jeito.
Amor
careta
e
brega,
recitado
pela menina.
A linguagem
encolheu...
Não a poesia!
Não à poesia!
A vista embaça:
– Mal aprendi a ler
boi
bia
ivo
ovo
uva...
E os poetas?
Morrem.
Não a poesia!
Não à poesia!
conto
Transa
do sapo Jordão
Camilo
Leal
A Gia Chiva, bem casada com o Sapo Jordão, tem seu casebre confortável
no barro da lagoa. Vem uma crise danada de frio, e a mosquitada vai
embora. É preciso apertar o cinto para viver. O sapo Jordão
começa a reclamar:
- Gia Chica, você está muito extravagante.
- Não diga isso, Sapo Jordão; você nunca foi assim!
- Gia Chica, escute o que estou lhe dizendo. Você limpa camarão,
tirando perna, bigodes... não aproveita, esperdiça muito!
Desse jeito morro de trabalhar e nunca ajunto nada na minha vida; vamos
ficar sempre na miséria... As coisas tudo caro, pela hora da
morte. Não dá mais para viver em companhia de uma gia
sem futuro. Nessa noite vou abrir o pé no mundo.
- Não faça isso, Sapo Jordão. É muito feito
para nós casar e separar. E ainda nesta lagoa. Tem muito sapo
metido a bacana e atrevido. Sabendo que estou só em casa, ele
vêm tirar casquinha. Tenho medo...
Não tem jeito. O sapo Jordão sai mesmo de sua casa e escreve
uma carta de divórcio.
Gia Chica recebe a carta por mãos de um portador, o Grilo, e
garra a ler, e cai. É resultado da ira, é resultado da
dor.
O sapo Jordão, vagando por terras alheias, tenta transar com
uma aranha na teia.
- Bela Aranha Marília, to aí na sua teia?
- Dê o fora, Sapo Jordão. Sou uma aranha solitária,
mas tranqüila, Tenho meus recursos próprios.
- Bela Aranha Marília, minha barriga está no fundo. Descole-me
um mastigo. Eu e você na sua teia. Nós dois juntinhos será
bem melhor. Mande-me um fio; quero subir.
- Vá embora, sapo rabugento! Atente suas gias lambuzadas de barro.
O Sapo Jordão, envergonhado, pensa em desistir. Dá dois
pulos para trás, pára, estira as pernas, abre a boca,
espreguiça, limpa os olhos e olha novamente para a aranha; enruga
a testa, fica carrancudo, estufa a barriga e o pescoço –
fica empapuçado. Pula para cima da cadeira; depois, de uma mesa;
salta em cima de um rádio velho e em seguida de um armário
e dele derruba um litro meio de mel que se espatifa, sujando o piso.
Sapo Jordão se ajeita em um xaxim de samambaia no canto da cozinha
da velha Madame Luzia.
A velha Madame Luzia, preocupada com a pulga no cós da saia,
que ferroa aqui e acolá, vê-se sem poder pegá-la.
Suspende a barra e com as pontas dos dedos consegue esmagar a pequena
grande perturbadora.
Ao estrondar do litro quebrado, sua cara cai no chão. Mais do
que depressa, envergonhada solta a saia rendada que de repente cobre
as pernas de pele fina e branca. Observa o litro quebrado, mel derramado.
Olha os quatro cantos da cozinha e a casa em geral, sem sucesso. Começa
a enculcar, falando com um personagem invisível.
- Pois faz hoje um amo que meu segundo marido morreu, por motivo de
alguma discórdia em nosso passado. Pode ser que sua alma precise
de alguma oração.
Ajoelhada a velha e com mãos postas, levantadas aos céus,
ora. Como ato de fé e devoção derrama uma caneca
de água na samambaia e prossegue:
- Talvez, meu marido, sua alma esteja com sede e precisa de beber.
O Sapo Jordão é muito caloroso – e de fato faz calor
de quarenta graus – e com aquela caneca d’água fresca,
cristalina em sua cabeça, ele pega em alma nova, regala os olhos,
abre a boca e estira a língua; estufa o peito, a costa... e fica
contente com o refrescar.
Continua a velha Madame Luzia a falar com seu personagem:
- Vou catar os cacarecos do litro quebrado e limpar a meleca do mel
derramado, mas estou muito preocupada com isso.
O Sapo Jordão, bem agasalhado no xaxim da samambaia, tem a bela
Aranha Marília bem perto do seu bigode, mas não pode alcançá-la,
pois ela não permite que ele se aproxime de sua teia. E ele fala:
- Sabe o que vou fazer, bela Aranha Marília. Veja: faz dias que
estou aqui perto de você e não consigo me aproximar porque
aquela velha não descuida da cozinha.
- Não faça nada, Sapo Jordão. Eu alarmo e você
será assassinado. Deixe-me quieta em minha casa.
- Eu faço sim, num pique. Quando ela vier pôr água
na samambaia, vou fazer-lhe uma surpresa que ela ficará cega;
nessa oportunidade solto para sua teia.
A velha Madame Luzia chega com a caneca d’água, tranqüila,
assobiando a música do hino da sua igreja. Com a mão esquerda
abre e ajeita as folhas da samambaia, com a direita coloca água.
O Sapo Jordão, bem humorado, na boa, estufa a barriga, fecha
a boca, afirme bem as duas mãos no enchimento do xaxim, levanta
sua parte traseira e lasca uma violenta urinada no meio da cara da velha.
O chuá-chuá atinge frontalmente os dois olhos da mulher
que grita desesperadamente:
- Meu Deus dos céus! Coisa ardida nos meus olhos! Vou ficar cega.
Bem depressa o Sapo Jordão solta na teia da formosa e bela Aranha
Marília. Abraça-a, beija-a, calorosamente, mas ela abre
a boca do mundo.
A velha Madame Luzia escuta aquele horroroso barulho no teto, no canto
da cozinha e observou o mais completo agarramento sem-vergonha-aranha
e sapo – que o mundo jamais viu coisa igual. Dá-lhe uma
vassourado no pé-do-ouvido do Sapo Jordão, que ele caiu
com uma perna quebrada. Mas, em seguida, ele foge. E a aranha tem sua
teia vasculhada e queimada pela velha.
O Sapo Jordão, com uma perna quebrada, perambula em terras alheias,
sem leito, sem bastão, sem socorro da ortopedia e com dores cravadas.
A gangrena chega e nesse meio de tempo sua perna seca. Mas, o Sapo Jordão
continua a andar só com três pernas.
Na caminhada passa por perto de uma tapera e um cachorro vira-latas,
valente caçador de ratazanas, dá-lhe três mordidas;
joga-o para cima de uma jaqueira. Ao se despencar de lá, caiu
dentro de um poço velho. É o fim do Sapo Jordão.
crônica
Chão de cimento encerado
Andréia Donadon Leal
Sem contestações,
destino. Virar poeira cósmica, lixo ou alimento de vermes. Incorruptível
tropa de mortais. Os acordes sinfônicos que tocam nos ouvidos
acariciam, o Réquiem k.626, mozartiano, para ninar a marcha fúnebre.
Que melodia é esta? Ora lírica, ora austera. “Réquiem
aeternam dona eis, Domine”. Descanso! Exigente ou simplesmente
imbecil. Asseverações. Transparecer certo esgotamento
de viver nem quatro décadas. O corpo brada: descanso. Exaustão
triplicada com afazeres inúteis. Comer todo tempo. Sentir saudade
da criança que andava descalça pelas ruas de Itabira afora,
arrastando o casco grosso que protegia a sola dos pés. Gargalhar
com piadas sem graça. Sentir falta de si mesmo. Levantar da cama
de solteiro, esticar o lençol, dobrar a coberta e colocá-la
no guarda-roupa. Do cheiro de café passado na cozinha pequena
de um pai com caneca cheia, mão esticada e sorriso tímido
nos lábios. Pai é assim mesmo. Passa café todas
as manhãs e tardes. Infeliz quem não tem a caneca repassada.
Hoje distante, longe e cansado. A saudade bate forte; rever a cena e
sentir o cheiro. Sentir falta da casa desarrumada de manhãzinha.
De vassoura na mão varrendo pacientemente os cômodos empoeirados
e sujos com fios de cabelos embolados nos ciscos. Encher o balde de
água com desinfetante e amaciante. Passar pano no chão
de cimento grosso. Vez ou outra, vontade de chegar perto do pai e pedir
um chão de madeira para encerar. Música estridente e incompreensível.
Ora movimentar as ancas com a vassoura na mão ou fingir tocar
guitarra. Bobagem, quanta bobagem! Mãe fala: passa cera vermelha
no cimento que o chão ficará colorido e pare de dar este
xouzinho patético. E era verdade mesmo. O chão da casa
era vermelho encerado e escovado. Em casa de escovão sem uso,
escondido no porão. Sentir saudade das brincadeiras dos irmãos
ainda crianças, que quase estoura as veias do coração
de tanto sentir. Cresceram e envelheceram, uns de cabelos grisalhos,
rugas fincadas no canto dos olhos e da boca e dobras no pescoço.
Os sobrinhos que crescem numa fração de tempo. Sentir
saudade da árvore de natal montada na sala de casa e bolas metálicas
e estrelas coloridas e bilhetes pregados. Do sapatinho de crochê
que só mães de outrora faziam para cada filho colocar
na janela no dia de Natal. Era pequeno o sapato, as mães diziam.
Por quê? Porque Papai Noel tem que presentear todas as crianças
do mundo. Um presentinho para cada menino. Saudade da música
que saía da vitrola e os meninos dançando e pulando no
cômodo, pai e mãe mirando amorosamente as peripécias
das crias. Sentir falta dos dias chuvosos, com relâmpagos estourando
trovões nos ouvidos e a criançada agarrada na barra da
saia da mãe. Sentir falta em andar de mãos dadas com os
irmãos pela rua em dias de domingo e do cheiro de broa de fubá
com canela ou pudim de pão. Dos ralhos e beliscões da
mãe e do pai, quando chegava em casa depois da hora. Sentir.
Filho que sente falta do pai a acordá-lo cedo para ir à
escola e das histórias da avó. Até da imbecilidade
e falta de maturidade adolescente. Da crise nervosa das meninas quando
chega à primeira regra, como dizem ainda algumas mães.
Das horas conversando com colegas de escola sobre o primeiro e gosmento
beijo; da festa de quinze anos e febre da onda das debutantes. Será
que ainda existem debutantes? Crise de adolescentes, sim. Falta da falta
de experiência, do primeiro emprego, da primeira entrevista. Até
da primeira transa, primeiro contato com sexo, adolescente, menina ainda:
traumatizante, dolorido e às pressas num banco de carro. Uma
experiência a mais ou a menos. Sorte ou falta. Não importa,
pouco importa. Memoráveis incidentes ou melhor acidentes. Não
vem ao caso, catastrófico. Sentir falta de não pensar
muito, não querer mais, mais, muito mais e ainda mais. O caminho
sem retorno. Se tivesse... Um chão de cimento grosso para encerar
e outra música para ouvir, que não o Réquiem K.626.
Manifesto Aldrávico
(a caravela vazia de gabriel bicalho)
J. B. Donadon-Leal
Esta primeira manifestação aldrávica
busca apresentar ao público a proposta aldrávica de fazer
poético. Sem a pretensão de superar tendência alguma,
esta proposta busca aproveitar todas as portas discursivas abertas pelo
pós-modernismo, muito embora este tenha ainda privilegiado o
texto. Mas, dos textos saltam discursos heterogêneos, e é
justamente esses discursos que nos interessam. Trata-se de saber usar
os textos devolutos. Na verdade, todos o são, pois o texto nada
mais é do que um envelope, dentro do qual colocamos os discursos.
Discursos são fluxos de idéias que habitam as cabeças
dos sujeitos caminhantes, ditando os passos, as condutas, as manifestações
todas da atividade humana. São uma espécie de alimento
da alma, e ditam as condições de produção
dos fazeres sociais e, conseqüentemente, culturais. Alimentam novos
discursos, realimentam-se de novidades e possibilitam a geração
ininterrupta de idéias. Tomar todo e qualquer texto, moderno,
concreto, livre, preso, longo, curto é, para o aldravista, um
motivo para tematizar qualquer discurso com a audácia dos pedintes
– batendo à porta.
Batendo a porta dos discursos estão alguns
nomes da poesia em Mariana. Destaco o recém-premiado no Festival
da Livro Aberto, Leopoldo Comitti, com seus aldrávicos poemas
em Fundo Falso e Por mares navegados; J. S. Ferreira com sua Bateia
lírica; Lázaro F. Silva, com seus poemas avulsos e a sua
produtiva tematização da cultura popular, L. T. Pirolla,
Geraldo Reis, Hebe Maria, eu e, claro, Gabriel Bicalho, aquele de Criânsia
(1974), já a “falar de peixes e de algas, quando nada fala”,
de exercícios de poesia, a quem incumbo a responsabilidade de
bater primeiro a aldrava na porta dos fecundos discursos amorfos, pedindo
forma, pedindo cópula, para fecundarem novos corpos discursivos
que perderão a forma e clamarão por novos rituais de acasalamento.
Se o mar de Fernando Pessoa é a representação do
distanciamento dado às glórias de Portugal, numa tentativa
desesperada de retorno ao impossível, queda-se a “mensagem”
ao mar bravio a engolir o moderno saudosista, oxímoro de apontar
o futuro, olhando para trás; ser novamente glorioso e conquistador
como outrora o foi o Português. O mar de Gabriel Bicalho, porém,
é abrigo da ventura de velejar no mar das palavras, às
vezes, de alguns fonemas, discretos e silenciosos. “Branca vela
a cara vela brinca de leva-e-traz atrás de fonemas num mar de
palavras”.
Os 20 poemas que compõem a série marinha
de Caravela Vazia (1996), livro ainda inédito de Gabriel Bicalho,
trazem a possibilidade de se arriscar, de fato, a velejar muito além
da pós-modernidade. É aldrávico esse Gabriel. Observador,
sim, mas não só espectador. Aí ele traça
a diferença que lança a aldrava na poesia. Bater, bater,
bater, até que alguém venha abrir a porta do sentido que
se deseja.. Nada ensimesmado, nada autista, nada fora de contexto como
os pós-modernistas de academia. O elitista “espectador
atento” é chamado a sair da clausura ditada pelo imperialismo
cultural das abraliques, das uebês, das academias, das congressites
dos homens e mulheres de capa preta das ifes e ieés, para se
popularizar, sem transformar-se em bunda, e dedicar-se a “ouvir
o mar no marulhar ou ver o mar ao mar olhar”.
Embora sem pretender superar qualquer tendência,
a superação desse autismo criado pelo endeusamento do
sujeito pós-moderno, desinstitucionalizado para ser servido pelas
instituições, é inevitável, e pode ser pensada
na inconveniência de batidas insistentes das aldravas nas portas
imperiais, que não se abrem para as cabeças interioranas,
mas que, por não se abrirem, distanciam-se tanto do mundo em
movimento, aldrávico, de batidas renitentes, de movimentos de
corpos em rituais de acasalamento, que não há como dizer
mais em revisitar o passado, como querem os umbertos, em parodiar ou
ser interlocuções de minorias, ou ver somente o texto
e o intertexto. O aldravismo é discursivo e interdiscursivo.
O discurso da cartilha escolar dos anos 60, da insistência silábica
da família “ra - ré - ri - ró - ru”,
toma o discurso da incerteza do futuro do pretérito, para construir
o discurso das possibilidades ramificadas, próprias do reconhecimento
das vozes polifônicas dos discursos: “ramaria / remaria
/ rimaria / romaria / rumaria”, num conjunto de substantivados
coletivos, ecos polifônicos das navegações dáblio-dáblio-dáblio.
É a superação do texto. É a compreensão
do mundo dos discursos como negação da pretensiosa idéia
de interpretação. É o reconhecimento da precisão
dos discursos heterogêneos: cabeça e bunda, Saramago e
Coelho, Chico e Tcham, Nélida e Bianca, Jô e Carla, Rio
e Ribeirão, urbes e sertão. Branco não é
branco, preto não é preto. Preconceito não é
preconceito. O discurso pode ser branco ou preto ou os dois ao mesmo
tempo; como o discurso do preconceito pode tornar o branco preto e o
preto branco. Isto é, literatura não é literatura,
mas literatura pode ser literatura, dependendo da vontade de canonização.
(Parece que a última atividade da academia é a vontade.)
Nela, não há vontade de compartilhar discursos. No máximo,
a de receber discursos e dizer-se porta voz autorizado dos discursos
canonizados, ou lugar de canonização. Independente disto,
o discurso faz, desfaz e refaz; alimenta, realimenta e se alimenta de
discursos, numa forma de antropofagia que cuida de cevar a espécie,
para se fartar dela.
Mas, é preciso ainda compreender-se como sujeito.
A questão é transformar a atitude autista pós-moderna
em prática de meditação. Não se trata de
auto-ajuda, embora esta faça parte do clamor social deste início
de milênio. Trata-se de olhar para si, no intuito de construir-se
no discursos que serve, altera comportamentos, perlocutoriamente. Cada
prática de meditação atinge o caos, para recobrar
o rumo do barco à deriva. O piquete das corda do ancoradouro
está no peito do outro. Reconhece-se o valor da convivência.
“No cais ou no caos mergulho em mim mesmo / e agora ancoro em
teu peito (porto perfeito) meu barco à deriva.
Essa atitude de mover-se na resistência do outro,
levantar-se de si na força do peito do outro, não requer
a anulação do outro, nem impõe ao outro a condição
de ancoradouro apenas, sem de longe recorrer ao pedante conceito acadêmico
de alteridade, pois reconhece em si mesmo a mesma condição
de suporte do outro. Ancora o outro e ancora-se no outro, promíscuo
na condição de tocar e se deixar tocar, mas percebe que,
mesmo na mais profunda pasmácia, “algo de alga” existe.
Essa alga pega, impinge, cresce, alimenta e abriga.
O poeta aldrávico é uma espécie
de invasor de terra devoluta. Vai buscar invadir os textos devolutos,
disponíveis para o cultivo discursivo e “um polvo volvo
meu povo e me envolvo meu ovo ao meu povo ou...” abraçar,
sem pudores, os discursos de todas as tendências, acreditando
pio o demônio que aquece e perverso o deus que inventou o inferno.
De qualquer forma, “como um tatuí, tatuando
aqui, encafuando ali”, o aldravismo das margens do Ribeirão
do Carmo já ancora suas caravelas vazias, textos devolutos, noutros
portos, para invadir os discursos transgênicos da geração
web.
Põe no mar a aldrávica caravela, Bicalho!
“Claro: o sol na areia clareia!”
Artes visuais
Elias Layon, artista de Mariana retrata
com maestria e leveza as figuras representativas da carnavalização
mineira. Sua contribuição é imprescindível
sobre a arte pictórica de Mariana. Esta obra emerge do mundo
material e carnavalesco (cultural), com a justaposição
no fundo dos quadros com cores vivas, o que impede uma mera intenção
figurativa. Percebo no conjunto da obra CARNAVAL DE MINAS, a predominância
de sentimentos e emoções, nas cores criadas livremente,
em que o artista remete na forma e na cor, sua expressividade maior.
Layon se vê livre para expressar seus sentimentos interiores,
relacionando-os ou preservando-os na memória da representação
do mundo real, na negação da beleza estética do
homem e no coroamento da importância da existência do ser
humano cultural.
Sua
estrutura delicada, pouco densa e muito variável é um
desafio ao pintor. Layon usa em suas telas um colorido especial, vivo
e esfumaçado com pinceladas rápidas e leves que se mantêm
soltas e um pouco imprecisas sobre a tela, de modo a reconstituir a
sensação luminosa de uma situação passageira
(duração do carnaval), experimentada sob os efeitos variáveis
da luz natural. Suas figuras decompostas são dedicadas a capacidade
de atravessar as fronteiras dos limites técnicos e formais, para
constituir um momento fértil das relações interdisciplinares
no campo da visualidade, num radical experimentalismo. A fumaça,
neblina e reflexos diversos foram recursos impressionistas para a dissolução
da cor e das formas rígidas estudadas sob a luz dos atêlies
mais tradicionais.
Andréia Donadon Leal – Déia Leal – Pós-graduanda
em Artes Visuais – Cultura & Criação
Carnaval
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Carnaval
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Carnaval
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Carnaval
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Camaleão
caricaturista e chargista
Acerca
de "martírio" - tela de Déia Leal
Augelani Maria Parada Franco
Doutora
em Ciências Ambientais pela Unitau, Taubaté, SP
Pós-graduanda
em Artes Visuais - Cultura & Criação
Martírio - Déia Leal
Conhecer
é traduzir algo que não se conhece em termos do que já
se conhece. Nietzsche
Sua obra é muito bonita e peculiar e os lilases,
violetas e azuis me fizeram ‘viajar’ pelos jardins de Monet,
pelas ‘Ninpheas Azuis’ que tive o prazer de admirar de pertinho
no Museu D’Orsay onde, confesso que senti até o perfume
do local retratado.
Este sentimento é pura Semiótica: signos
que geram signos que geram signos... O signo / imagem Ninpheas Azuis
gerou meu pensamento (signo). A meu ver, ambas as coisas: agredir para
acordar... E a arte se impõe para ser ‘lida’ pelos
seus interpretantes, cada qual com seu ‘repertório’
cultural. O sentido de algo tem relação com seu significado,
mas existem diferentes significados para um mesmo sentido.
Uma criança, ao observar sua obra (de Andréia
Leal) pode se encantar com as cores frias, pode achar que é um
pedaço de corda velha no fundo do mar que caiu de algum navio
pirata. A explicação da obra pela autora (Andréia
Leal) amplia nossa percepção (interpretantes adultos)
e aponta para a crítica pretendida. Mas, mesmo assim, eu continuo
vendo ninpheas, águas claras, angústia, mas também
paz. Provoca em mim uma antítese mental e se fosse dar um título
a esta obra seria: Última Cena, ou Última Chance, porque
eu enxergo uma possibilidade de vida atrás destas amarras, enxergo
um rio cristalino (ou seria o mar?), enxergo flores lilases... Pignatari
(1985) diz que “o enriquecimento do interpretante gera uma capacidade
de metalinguagem, ou seja, uma linguagem crítica em relação
à situação e à linguagem em uso.”
Vejo quase o caos, mas existe uma bonança por
detrás das amarras do tempo, buscando renascer. Existe o sim
e o não, à espera da escolha.
Ainda de acordo com Pignatari (1985), o signo da arte
seria um quase-signo, algo que já não é o caos
mas ainda não é a ordem.
E mais uma vez Pignatari (1981): (...) “a invenção,
a originalidade (informação) é vital para a ordem
do sistema que buscará, por sua vez, sempre, novos estados de
equilíbrio através do processo conhecido como homeostase.”
Metonímias
do barroco - Déia Leal
Portal Barroco |
Portal
Barroco Mineiro |