poema
IV
gabriel
bicalho
mas
fazer poesia
não será sonhar
ao clarão do dia:
nem mesmo ao luar
faz-se mais poesia!
mas
fazer poesia
não será rimar
mamão com melão
e se deleitar
só com a melodia
pois
fazer poesia
será só gritar:
ARROZ COM FEIJÃO!
BARRIGA VAZIA!
pois
fazer poesia
será só lutar
e exigir o pão
(nosso) todo dia!
Capa
do site aldrava em 14 de março de 2008
Dia da Poesia
vivas aos poetas!
CANTO
LÍQUIDO
(Lembrando Bilac)
Geraldo Reis
pedra líquida
comigo desde a infância.
única pedra que tive
e que me liquida.
pedra líquida
pedra bala:
pedra que me liquidando
me embala.
essa pedra é o meu canto
meu acalanto
meu encantamento lembrando bilac
eu, poeta de araque.
com ela direi "te amo"
tanto quanto
ouvindo estrelas
transfigurado:
eu pálido de espanto e de pecado.
És outra galáxia
Gabriel Bicalho
amo
teu jeito livre
de amar
sim
se a paixão não conta
não se conte o amor
enfim
no fundo no fundo
nada te prende
amada
nem uma rosa
nenhuma prosa
nada
se estás presente
ausente estás
para lá do mundo
tão nebulosa
e distante
assim
és outra galáxia
no sem-fim
acendendo estrelas
para mim!
Passo em falso
J.B. Donadon-Leal
Passo em falso
lapso de memória
denunciam a idade
avançada.
O sol a pino sua
calafrio de febre
e a ducha fria toca a pele quente
refrescando-a do já delírio.
No firmamento azul
nuvens de repente
tomam o céu
frêmito de trovão repercute
após o ziguezague luminoso
do relâmpago
Somente uma poça de lama
denuncia a chuva breve
num cantinho da rua
O céu azul depõe o sol
e o ocaso
debochado
pinta-se de vermelho
a doença crua
a preceder
o negro da noite
a morte
SÓ O HOMEM NÃO PERCEBE
J.S. Ferreira
Só o homem não percebe:
os segredos divinos
são invioláveis.
Só o homem não percebe:
seus inventos são limitados
perante o espaço.
Só o homem não percebe:
lá em cima um Deus
atento, a governar
o universo,
com seus punhos de aço.
PASSOU O TEMPO DA INOCÊNCIA
Luiz Tyller Pirola
Passou o tempo da inocência
Tão rápido demorou!
Depois o dos sonhos
noite e poemas longos
longos poemas
E sem me dar conta
avassaladoramente encheu minha vida
a idade do desejo.
Oh! Febres suores e calafrios
palidez e costelas sempre entrevistas
noites insones muitas folhas, canetas
e flamejantes poemas em meio a flores
Agora o cansaço do corpo
os remédios as febres
e os tremores
e a enorme compreensão
do que é frágil
do que é humano.
Encruzilhada e morte - nanquim sobre pepel vergé
- Déia Leal
CONTO
O COVEIRO
Andréia Donadon Leal
Da pá velha e um pouco enferrujada, Toninho, cavava um buraco
de sete palmos na terra vermelha, dependendo do agrado do cliente que
pouco se importava com a fundura da sepultura. Todos queriam enterrar
o defunto o mais breve possível. Muitas vezes, os familiares
e viúvo não esperavam o ritual do primeiro grãozinho
de areia cair no caixão do defunto. Desaforo maior foi com a
parentada da Dona Marta, todos: viúvo, pais e filhos saíram
correndo do cemitério para o cartório. Povo safado, não
tinha respeitado a Dona Marta na saúde, na doença e nem
agora na morte. Aquela bondosa dona ajudava orfanatos, creches, asilo,
até a prefeitura que andava ruim das pernas, tinha emprestado
dinheiro. O coração de Toninho partia de dó com
tamanha covardia. Tomara que aquele povo se... Pensava. Parava para
não pecar alto na língua e engolia seco o desaforo, acalmando
os nervos; mas verdade mesmo era que Toninho não gostava de desejar
mal e pecar. Voltava à labuta cantando música suave para
homenagear Dona Marta, rezava duas ave-marias e três pai-nossos
para quando a defunta chegasse ao novo mundo estivesse em paz. Jogava
o primeiro grãozinho de areia no caixão batendo continência
e lá se ia, afundando, afundando como proa furada de navio em
alto mar. Mais um palmo, mais um...
Esse certamente não era um dos casos mais tristes de falecimento.
A cidade toda parou num dia chuvoso de domingo. Caia água sem
dó e trovões que arrepiavam o corpo e ouvidos. Toninho
levantou da cama com pressentimento estranho. Tomado de um sentimento
profundo de tristeza. Tomou café da manhã de pé
na cozinha improvisada da humilde casa, espiou a companheira ainda dormindo
no único quarto, no chão uma fileira de colchões
acomodavam os cinco filhos. Namorou o único tesouro de sua vida...
Abriu a janela e sentiu aquele cheiro entrando nas narinas... Hoje alguém
despenca para o buraco. Lá fora o tempo estava horroroso; olhos
arregalaram com o estrondo do trovão. Mais uma alma vai pro céu...
A sensação do coveiro não falhava nunca... Ia ter
morte hoje. Deu de ombros para o pressentimento que era uma premonição
que logo seria notícia em todas as bocas, esquinas, bares, igreja
da cidade...
Dia mais triste! Três almas inocentes foram para o céu
naquele dia. Acidente de carro que derrapou e capotou na estrada molhada
de chuva e óleo. Marido e mulher se salvaram, mas o três
não... As três crianças que estavam no banco de
trás do carro, quebraram o pescoço com a freada brusca
do carro. Desgraça para a família. Vestiu o uniforme mais
que depressa para o ofício. Cavar uma cova para três caixões
seria barra. Estava acostumado com a morte, mas essas eram de tamanha
tristeza, que só de relatar os olhos enchiam de lágrimas...
Na capela do cemitério chegaram os três meninos de branco,
pareciam que estavam dormindo no caixão. O pai e a mãe,
desconsolo, dor insuportável, pesadelo e descrença. Primeiro
momento da morte: choque total. Segundo: descrença, mentira,
revolta, loucura, surto psicótico, choro convulsivo, culpa...
Terceiro: sofrimento, solidão, vazio, saudade... Depois o sofrimento
suavizava-se e tornava-se num sentimento puro, lindo: saudade. Morrer
é não ser visto...
Foi um chororô... Toninho jogou o primeiro grãozinho de
areia nos caixões brancos, batendo continência e soltando
soluços, surpresa para os familiares e povo da cidade. Lá
se foram os três... Em paz, brincar de pique-esconde no Jardim
do Éden e na dança de roda com o menino Jesus e os anjos.
A cidade custou a esquecer o incidente, menos os pais dos três
que visitavam diariamente o túmulo e cuidavam com carinho das
flores plantadas que nunca morriam.
Coincidência ou não, todos falavam, até os padres.
Destino era mistério para os mortais. O povo da cidade ainda
não tinha esquecido o infortúnio dos três meninos
e duas semanas após lá vai outra alma bondosa. Mãe
de família, caridosa, meiga, prendada, religiosa... Outro acidente
de carro... Ia ela, o marido e os três filhos meninos de férias
para o litoral, na volta não deu outra: a dona Maria foi para
o outro lado da vida. Só ela. Acidente inexplicável para
os peritos de cidade grande que fizeram o laudo. Diziam que foi milagre
o marido e o três filhos terem sobrevivido; pelo estrago do veículo
não era para ter sobrado ferro sobre ferro, nem osso sobre osso.
Foi batida de frente com carreta. O carro saiu da pista e atravessou
a contramão e o caminhão. O motorista nem teve tempo de
desvencilhar. A cidade ficou pavorosa com tanta morte. Não tinha
outra explicação: a Dona Maria foi embora da terra para
cuidar dos três anjinhos que foram para o céu, era o consolo
do povo, do marido e dos filhos.
A cidade onde vive Toninho desde nascido tinha perdido as contas de
quantas pessoas enterrou de morte morrida, de morte matada, de morte
suicidada, desde os primeiros anos de coveiro. Iniciou aos dezessete
quando senhor João, antigo coveiro, faleceu. Era o único
candidato ao cargo. Tem honra e orgulho não da morte, a que tinha
horrores, mas de sua função. Aliás, todos tinham
pavor da morte, até ele que já estava doutor, como diziam,
no cargo. No fundo, bem lá no fundinho, Toninho convivia diariamente
com ela, a maldita, a malvada, mas certeira! Qualquer dia bate na cara
da gente a pedir conta da vida.
CAUSO ACONTECIDO: A MENINA DE CERA
Lázaro Francisco da Silva
A
mãe estava de resguardo, menino novo, e de companhia só
tinha uma filha ainda muito criança. Quatro, cinco anos, se tanto.
Deu a hora do café, precisava lavar o coador na biquinha lá
embaixo, na beirada do rio. Jeito que tinha era mandar a menina. Chamou:
-Ó Maria, vem cá.
Ela veio. Falou: - Ce põe água no fogo, rapadura cê
pega e põe dentro, e vai lá na bica lavar o coador. Mais
não tarda, que seu pai pode chegar pro café.
Menina botou a chaleira no fogo, a rapadura ela pôs, atiçou
as brasas e, coador em punho, correu para o rio. Tinha a boca, mas ela
gostava mesmo era de esvaziar no rio o coador, por causa dos peixinhos
que vinham buscar o de comer. Tinha vez eles vinham tão perto
que dava pra pegar no coador como se fosse um puçá. Pegava,
brincava, soltava, e tornava a pegar. Os peixinhos também pareciam
gostar do brinquedo e por ali ficavam nadando para ela. O tempo não
tinha medida, como o remanso da água, que ia e voltava. Só
o sol não se esquecia da obrigação, e descia sem
bulha. De repente ela se lembra da água no fofo: - Vai ver que
secou!
Voltar pra casa! Levanta, pega o coador, era tarde! Na sua frente uma
pintada das grandes; e o pulo. Coador caiu pra lá e a menina
a onça saiu arrastando. Dobrou o morro arrastando a menina e
a puxou para dentro da loca de pedra. Deixou lá, no meio dos
gatinhos e voltou, caçar mais.
A mãe tinha passado por uma madorna, quando acorda: - Cadê
a Maria? Sinhô, Bom Jesus, que é feito de minha fia?
Com jeito arriba o corpo. Na cozinha, fogo apagado, a chaleira seca,
e o sol já entrando por detrás da montanha. – Meu
Sinhô, Bom Jesus, guarda minha fia!
Esquece o resguardo, esquece o menino novo que dorme no balaio, pega
uma acha de lenha e lhe servir de bengala, e sai desatinada em direção
ao rio. Marido chega, acha tudo esquisito, calcula, e vai atrás.
Voltaram pra casa já era noite alta. Voltaram sem ela, Maria.
- Sinhô, Bom Jesus, por onde mia fia andará? Sinhô,
Bom Jesus, onde ela tive, guarda a Maria!
Ninguém dormiu. No raiar do sol o marido passa a mão na
espingarda, os cachorros saem na frente. Andou quase nada e, ao virar
o capão de aroeira os cachorros começaram a uivar e dispararam
em festa: Lá envinha Maria. Um esfoladinho aqui, outro ali, coisica
de nada, a menina voltou. Disse que um homem entrou na caverna, e quando
os gatinhos espichavam a munheca ele empurrava pra lá. Assim
foi a noite inteirinha. Eles querendo pegar, ele vinha e tirava. No
clarear do dia ele pegou a menina, tirou a menina da toca e lhe mostrou
o caminho: - Vai direitinho pra casa, que sua mãe está
muito preocupada.
Maria começou a andar, olhou para trás, o homem já
tinha sumido.
- Mas como era esse homem, a feição dele como era?
Maria não sabia dizer. Só sabia que não era ninguém
do conhecimento deles. A mãe combinou com o marido de ir ao Jubileu,
para agradecer. Chegaram lá, Maria foi vendo e foi logo dizendo:
- Mãe, o homem era aquele da toca da onça!
- Aquele qual é, minha fia? Tem tanta gente...
- Aquele mãe, em riba do artá.
O Senhor Bom Jesus! Maria tinha sido protegida pelo Senhor Bom Jesus!
O homem descobriu a cabeça, e a mulher ajoelhou soluçando:
- Sinhô, Bom Jesus! Ano que vem vô traze a image de Maria
de cera que é mode os outro sabe do milagre!