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As Crônicas de José Luiz Foureaux de Souza Júnior

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José Luiz Foureaux de Souza Júnior, Ph.D.
Leitor de Português na Universidade de Zagreb (Croácia)
Membro correspondente da Governadoria do RD-InBrasCI-MG

Membro correspondente
ZAGREB - CROÁCIA

DR. JOSÉ LUIZ FOUREAUX DE SOUZA JÚNIOR, graduado em Letras, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1985); Mestre em Teoria da Literatura, pela Universidade de Brasília (1988); Doutor em Estudos Literários-Literatura Comparada, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e Pós-doutor em Literatura Comparada, pela Universidade Federal Fluminense (2004). Atualmente, Professor Adjunto de Literatura Luso-Brasileira, na Universidade Federal de Ouro Preto; membro de Conselho Editorial da Revista do Instituto Superior Anísio Teixeira; Docente-colaborador do Curso de Especialização em Lingüística e Literatura Comparada, da Universidade Federal de Viçosa; Leitor de Português, junto à Universidade de Zagreb, em Zagreb (Croácia). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Luso-Brasileira e Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria, crítica, comparatismo, sexualidade, historiografia e leitura.
* Natural de Belo Horizonte - Atualmente exerce Leitorado do ITAMARAY em Zagreb - Croácia.

Poema do Amigo

para J. B. Donadon-Leal

Escuta, meu amigo...

A qualquer hora em que chegares,
sentarás comigo à minha mesa...

A qualquer hora em que bateres à minha porta,
meu coração também se abrirá...

A qualquer hora em que chamares,
eu me apressarei...

A qualquer hora em que vieres,
será o melhor tempo de te receber...

A qualquer hora em que decidires,
eu estarei pronto para te seguir...

A qualquer hora em que quiseres beber,
eu irei à fonte...

A qualquer hora em que te alegrares,
eu bendirei ao Senhor...

A qualquer hora em que sorrires,
será mais uma graça que o Senhor me concede...

A qualquer hora em que partires,
eu irei à frente do caminho...

A qualquer hora em que chegares,
eu estenderei os braços...

A qualquer hora em que te cansares,
eu levarei a cruz...

A qualquer hora em que te sentires triste,
eu permanecerei contigo...

A qualquer hora em que te lembrares de mim,
eu acharei a vida mais bela...

A qualquer hora em que partires,
ficarás como a suave lembrança...

A qualquer hora em que voltares,
renovarás todas as minhas alegrias...

Eu te digo tudo isso, meu Amigo,
porque não posso imaginar
uma amizade que não seja
de todos os instantes e para todo o sempre...


Crônica

Zagreb, até que enfim!

   Muito bem. A viagem demorou mas saiu. Finalmente. Depois de meses de espera, o visto foi emitido, o bilhete aéreo foi emitido e eu, finalmente, estava autorizado a sair do Brasil e começar aqui-lo para que me preparei durante meses. Nada mais natural que ficar feliz, mas a dose necessária do glamour da notícia se foi com a espera. Zagreb estava mais próxima. Outras preocupações: a bagagem, a conexão em Paris, a imigração no aeroporto da capital croata. O processo de um leitorado começa com a publicação do edital pela Capes. Depois das inscrições uma pré-seleção escolhe três curricula e os envia à universidade em que o posto foi aberto. Os professores nesta/desta universidade são quem, afinal de contas, selecionam o leitor. Depois de escolhido, este futuro leitor recebe uma carta convite que pode aceitar ou não. Daí os contatos com a embaixada do país que vai recebê-lo, a tramitação de documentos, a emissão do bilhete aéreo, a viagem. Assim, depois de tudo, parece muito simples, e é. De fato, é simples, mas a burocracia diplomática no Brasil e na Croácia não tinham, quando da previ-são desse quando, dado as suas decisivas cartadas. Como se diz por aí, ainda não “tinha mostrado as garras”. Ainda havia muito por vir...
   Duas idéias me vêm ao pensamento, agora que o processo do leitorado começa, o processo real, efetivo. A idéia de responsabilidade e a idéia de negligência. Apensas a estas duas, mais duas outras: respeito e consideração. Apesar de aparentemente sinônimas, estas últimas guardam nuances semânti-cas, que apenas numa situação real se podem perceber. Claro, tudo isso dependendo do enfoque subje-tivo de quem está envolvido. De outra forma não faria sentido. Vou deixar as duas primeiras para o fim, para depurar, talvez, o ácido perceber de seu contrário, deflagrado que foi pelas atitudes daqueles de quem se esperaria exata e absolutamente o contrário do que, de fato, aconteceu. Começando, então, com a “consideração”, sou obrigado a olhar, mais uma vez para a decisão institucional que me proibiu de receber, como seria de meu direito, numa lógica outra que não aquela associada à idéia de “alterida-de planetária” (!), o meu salário. É evidente que ser leitor é um projeto meu, pessoal, particular, desde há muito. É claro que fiz o que pude e o que tive de fazer para poder estar sempre “no páreo” do rateio das vagas para leitores, espalhadas mundo afora, às expensas do Itamarati e das Universidades que ex-plicitam o desejo de ter em seus quadros, ainda que temporariamente, um estrangeiro falante da língua portuguesa, em sua “variante” brasileira. Implicitamente, propõe-se aqui, ainda que eu não vá desen-volvê-lo, o questionamento se ainda cabe considerar a Língua Portuguesa falada no Brasil uma “varian-te” de sua similar falada na Europa. Vale dizer, falada em Portugal. Isto posto, cumpre salientar que apesar da pessoalidade do desejo, da “particularidade” do desejo, o leitorado foi, é e continuará sendo, um projeto acadêmico-profissional de intercâmbio, com possibilidades de evolução desse quadro de relações, para outro mais amplo: aquele que se desenvolver através de convênios entre as universidades envolvidas – a que cede o leitor e a que o recebe. Logo, não caberia, sob hipótese alguma, apelar para a letra da lei, em sua mais estreita interpretação – porque sem nenhum embasamento jurídico, moral e ético que a sustente – para negar ao profissional envolvido um direito constitucional: receber por seu trabalho. Em tempo: enquanto Leitor de Português, na Universidade de Zagreb, eu vou TRABALHAR, vou dar aulas, atender alunos, promover atividades culturais e acadêmicas, interagir com a universidade que me recebe e a representação diplomática do Brasil em Zagreb. Um a zero, então, para a “desconsi-deração” exata e diametralmente contrária em relação àquilo que seria esperado de uma instituição sé-ria, que, de fato, se importa com a performance profissional, acadêmica e científica de um seu docente, em terras estrangeiras. Infelizmente, e com boa dose de vergonha, não é este o caso aqui, de forma al-guma. Onde é que ficou o pagamento por este MEU trabalho??? A resposta, taxativa, se houver, está guardada a sete chaves em algum escaninho do “patrimônio” cultural ainda e sempre tão vilipendiado...
   Quanto à negligência e à responsabilidade, era de se esperar do Itamarati que, além de proceder ao processo de pré-seleção dos curricula a serem avaliados pelas instituições interessadas em leitores, tomasse todas as atitudes atinentes ao caso. Ledo engano! Quanta ingenuidade. Além de uma carta-convite (com data de validade limitada) e algumas mensagens protocolares trocadas, nada mais se con-seguiu perceber que pudesse ser considerada uma atitude institucional pertinente. Nenhuma atitude. O modo verbal mais utilizado pelos “servidores públicos” que trabalham neste órgão de representação diplomática é o imperativo. Faça isso. Verifique aquilo. Providencie tal coisa. Certifique-se de tal pos-sibilidade. Mandar, mandar, mandar. Nada mais que mandar. Não fosse por certa experiência, o proces-so teria desandado de vez, dado que a irresponsabilidade de representantes diplomáticos croatas, em solo tupiniquim, fez com que um processo que poderia levar de 20 a 3 dias, durasse dois meses e meio. Com direito a envio para o estrangeiro de documentação equivocada, por que não conferida. Com direi-to também a cobranças de taxas pagas pela cotação do dólar, no dia do pagamento. E para completar, com direito a ligação telefônica mal-educadamente concluída no meio de uma conversa.
   As controvérsias são (e serão!) muitas. As experiências relatadas nesse tipo de processo variam, á claro, como variam as emoções de quem está nelas envolvido. Ao fim e ao cabo, a confirmação de um bilhete aéreo, a chegada de um passaporte carimbado – o famigerado visto que, inexplicavelmente demorou quase três meses. Parece tão simples: um carimbo e uma assinatura, numa página verde, de um caderninho também verde que, a partir de agora muda de cor: o passaporte brasileiro é azul. Isso é que é modernidade: a adoção da cor mais protocolarmente utilizada em documentos estrangeiros que garantem a um cidadão qualquer, o direito de ir e vir por terras, por vezes, nunca dantes imaginadas; ou só conhecidas através de filmes, fotografias, reportagens televisivas e quejandos.
   O que fica disso tudo? Um misto esquisito de emoções, reações e sentimentos. Tudo misturado, o que se vê é a morte irreversível de um glamour, como dito antes, que, se não é absolutamente neces-sário (e não o é!), faz com que uma experiência destas se transforme em matéria de ficção. Isto é exa-tamente o que está a acontecer aqui – para plagiar o sotaque da Língua que se quer ainda possuidora de uma variante falada apenas sob os tristes trópicos de Lévi-Strauss. Vai saber se é assim mesmo. Come-ça então uma nova etapa. A chegada, a passagem pela imigração, a recepção ainda no aeroporto. Tudo envolto numa névoa azulada que transita entre o sonho, a realidade e a ilusão. Não há medo. Não há uma esperança ingênua de perfeição, mas uma expectativa: como é que vai ser? Se, de um lado, fica-ram meses de espera, de angústia, de medo e de insegurança para trás; adiante, o que se vê, nítida e desarmadamente é um vasto horizonte de expectativas várias, a possibilidade infinita de realização in-comensurável de planos que, por mais mirabolantes que possam parecer à primeira vista, revestem-se de uma objetividade que transcende a própria razão humana. As palavras, mais uma vez, não são sufi-cientemente capazes de traduzir isso. Não há explicações plausíveis.
   Pois então, no burburinho de um domingo de maio, sete dias antes do dia das mães, a chegada a um aeroporto simples e despretensioso – de fato, a cidade transmite esta mesma impressão em sua grandiosidade simples, histórica e secular. A guerra acontecida há quase quinze anos parece não ter conseguido destruir a marca peculiar de um espírito pitoresco, de um país ainda exótico para mim, com uma língua estranha, quase absolutamente consonantal. Uma cidade que, no dia seguinte, o primeiro de uma série de, mais ou menos, setecentos e trinta outros que virão, abre-se iluminada, ventilada, ensola-rada, verdejantes em suas inúmeras em suas inumeráveis praças e parques e seus costumes peculiares, como, de resto, toda e qualquer cidade mundo afora. Mas isso já é assunto para uma próxima vez. Fica uma certeza, os tais mais de setecentos dias que virão, não tenham dúvida, virão!!!

05 de maio de 2008

De curiosidades e coincidências


   Saí de um espetáculo considerado de dança performática. Hora e meia vendo uma performance até interessante de um coreógrafo português, renomado na terra de Camões, mas que, a meu ver, um quase ignorante na ciência da dança, deixa muito a desejar para sua parceira, uma bailarina completa: leve, desenvolta, expressiva e fisicamente preparada. Um espetáculo bonito, de qualquer maneira. Sem cenário. Uma tela branca em que dois retro-projetores faziam ver a imagem dos dois performers, dando a impressão, ora de que nadavam, ora de que flutuavam no ar. Tecnologicamente criativo. Pois bem. Os aplausos duraram uns cinco minutos ou mais, com quatro ou cinco re-entradas do par de artistas, até que a platéia se satisfizesse e começasse a deixar a sala. Andando pelas ruas calmas do domingo de Zagreb, deparo-me, na praça principal da cidade, com uma multidão, em pé, ouvindo um quarteto de cordas que executava, com o auxílio de um sintetizador, Peças do repertório clássico mais tradicional e canções populares em ritmos diversos: mambos, valsas, música folclórica. Um casal jovem se anima e começa a valsar no meio da praça, com o aplauso da população que gritava e fotografava. Zagreb tem dessas coisas. Dois espetáculos quase simultâneos no tempo, diametralmente opostos na proposta. Am-bos com uma assistência entusiasmada. O casal foi ovacionado. Não houve vaia. Não se ouviam piadi-nhas ou gritos de chacota. Pelo menos que eu escutasse, ou até, entendesse. Por que a língua croata não dá oportunidade de associações fonéticas... Uma língua difícil. Mas a cidade oferece esse tipo de entre-tenimento, de uma forma comum, normal, quase cotidiana. Percebe-se o entusiasmo e on interesse de pessoas de todas as idades e até turistas. Muitos franceses e italianos andando hoje pela cidade. O que não é nada de especial...
   Este é o tipo de coisa que me causa um certo espanto e que me faz pensar que esta cidade guar-da segredos tão simples e tão reveladores de um povo que alimenta seu nacionalismo acirrado de forma tão elegante. É claro que já ouvi histórias contrárias a esta impressão. Nesta semana, em contato com funcionários da embaixada brasileira aqui, fiquei sabendo que um turista espanhol foi preso durante uma apresentação de uma orquestra, num teatro da cidade. Não sei dos detalhes. No entanto, sei quie a embaixada espanhola publicou nota de repúdio pela forma autoritária e agressiva e truculenta como o cidadão foi detido, dentro do teatro, depois que os policiais interromperam a apresentação da orquestra para o arresto. Há uma explicação para isso, conforme os diplomatas. O fato é que a Croácia, séria can-didata a mais uma vaga na União Européia, se sente um tanto desgostosa, pelo fasto de ter sido preteri-da, em favor da Eslovênia, outra nação nascida com o fim da Iugoslávia. É aí que reside a explicação diplomática. Os croatas alimentam e retroalimentam seu nacionalismo, para não perder para outra jo-vem nação remanescente. Isso faz com que a população se auto-valorize e às suas tradições. Faz com que as pessoas tratem bem os turistas, com toda a simpatia e atenção que qualquer cidadão merece, mas que não aceita que um “estrangeiro” represente uma competição,principalmente em postos de trabalho qualificado. A simpatia, pelo que dizem, costuma desaparecer das faces croatas quando ameaçada por um “estrangeiro” que demonstrar estar interessado em tomar o lugar de um “cidadão”, nos quadros profissionais da jovem e rica nação. “Croácia: um pequeno país, mas grande nação”. Salvo engano, é este o bordão que está por detrás do nacionalismo dos croatas. Ainda bem que esta história de competi-ção ão é comigo!
   Mas, a cidade e o ritmo de sua vida são um capítulo à parte para as retinas curiosas de alguém que vai passar um tempo de sua vida neste território do chamado “leste europeu”.É de ficar pensando na intenção do paisagista que projetou uma praça, aqui perto de casa, em que os bancos são individuais em sua maioria. Há conjuntos de dois e quatro bancos mais próximos. Ainda assim, percebe-se clara-mente a sua individualidade. E as pessoas se sentam com naturalidades. Sozinhas, aos pares, em gru-pos. E os bancos individualizados continuam lá, impávidos, como a observar essa gente curiosa que não tem pressa em gastar seu tempo. Os cafés sempre estão ocupados. É gente conversando, lendo, fazendo nada, tomando cerveja ou Cage. Conversando ou simplesmente fumando. E como se fuma nesta cidade, como se toma café... Uma sensação de que o tempo correr e não se tem que correr atrás dele. Um ritmo diferente, quase em adágio. Um prazer de saber que se está vivo e que os lugares públi-cos são... públicos. Não há desfaçatez, há naturalidade. Não se trata de vadiagem, não se trata de falta do que fazer, trata-se, já percebi, de uma outra forma de conceber as atividades do dia-a-dia. No fim do dia, pais e mães, com cara de quem deixou o trabalho para o outro dia, sentam-se às mesas dos cafés. Os pimpolhos brincam na grama, correm atrás dos cachorros. E como há cachorros nesta cidade. Coin-cidência ou não, ainda não vi nenhum deles a fazer cocô na calçada. Tem-se que ter cuidado ao andar pelos parques, exatamente porque esses quadrúpedes leais, com cara de criança carente, fazem suas necessidades nos jardins, na terra, no meio da grama e não na calçada! Coisa que, também, faz pensar.
   Outra curiosidade é que aqui os apartamentos não têm números. O endereço indica apenas o nome da rua e o número do prédio. Na porta dos edifícios há uma lista com os nomes. Ainda não tinha visto is-so. Na França e em Portugal, indica-se o número do apartamento, aqui não. Da mesma forma que o estacionamento é pago, na maioria das áreas urbanas. Vagas até que há. Mas, paga-se por cada hora de uso. A curiosidade (mais uma!) é que se pode fazer isso usando o celular. Os sistemas são integrados. Você manda uma mensagem para um determinado número e, automaticamente, o valor do estaciona-mento é descontado de sua conta de celular, seja ele pré ou pós-pago! Uma comodidade. Mas há um risco. Como na maior parte das áreas reservadas para os estacionamentos não há renovação de perma-nência, se o condutor não retira o veículo, o mesmo “sistema integrado” manda uma ordem para os milhares de caminhões-reboque ao local onde um cidadão está usando a vaga por mais tempo do que o permitido. Pronto. Não tem “jeitinho”, não tem “peraí”, não tem “urgência”. O carro é rebocado. De-pois se vai a um depósito e retira-se o veículo. Pode-se pensar que seja falta de bom senso, mas chama-se controle e civilidade, na minha modesta opinião.
   Uma outra coisa interessante em Zagreb é o transporte público. Apenas os ônibus (como em Portugal chamados de autocarros) e os bondes (também lusitanicamente chamados aqui de elétricos), o famoso TRAM. Não há metrô. Não há cobradores. Não é necessário “dar sinal” para o trem parar. Ele pára em TODAS as estações, tenha ou não tenha gente esperando pelos trens. As portas abrem-se au-tomaticamente. Caso contrário, não é preciso gritar pelo “motorista” ou ficar batendo no trem para que a porta seja aberta. Aperta-se um botãozinho verde, na porta do trem, e pronto: as portas se abrem. Du-rante o trajeto, uma vez feminina vai indicando as paradas. Uma coisa incrível. Dentro desses trens, às vezes, há muitos lugares vagos e, da mesma forma, muitas pessoas em pé. Ou então casais de namora-dos, sentados, uns no colo dos outros. E os lugares vazios lá. De vez em quando, até pessoas idosas ficam em pé, e os malditos lugares vazios lá. Como não sei a língua (ainda!), não ousei perguntar a alguém o porquê disso. Fico olhando e tentando encontrar uma explicação. Para que a explicação, eu também não sei, mas...
   Por falar na dificuldade da íngua, já tentei, para algumas coisas, exercitar a minha prática de procurar o significado de palavras pela associação fonético-fonológica de sua composição. Por enquan-to, só obtive sucesso em duas situações: café a leite. A primeira se escreve “kava”. Lê-se como se es-creve mesmo. Mas ser você pedir por um segundo café, em qualquer lugar, a palavra muda para “ka-vo”. Culpa das famigeradas declinações, estas “moiras” da fonética que vão me assombrar, tenho certe-za, quando, no mês que vem,começar o meu curso intensivo de croata para estrangeiros. Programa de-senvolvido, executado e oferecido gratuitamente a professores estrangeiros que se interessem. E o gra-tuitamente inclui o material didático. Pois bem... Voltando às “coincidências fonéticas”, a outra palavra em que a minha mania de associação deu certo foi para leite. Em croata, escreve-se “mlijeko”. Lê-se “mliiéco”, com dois is” mesmo! O “j”, em croata como no latim, lê-se como “i”. É bom lembrar que boa parte do território que hoje é da Croácia, pertenceu ao Império romano: a Dalmácia. Logo, a influ-ência do latim é perceptível. Então, café com leite fica “kava sa mlijecum”. Olha a declinação aí. São sete “casos” em croata, mais difícil que em alemão, já me disseram. Mas a língua não vai me vencer... Nestes dois casos, a associação “quase” procede, mas em outros, nem de longe. Por exemplo: cerveja é “pivo”, pão é “kruh”, queijo é “sir”, rua é “ulica” (lê-se “ulizza”, como em pizza que aliás, fala-se aqui como se fosse escrita com um “z” apenas – “piza”), avenida é “cesta” (lê-se “tsesta”). Difícil??? Qual nada, a palavra croata para praça é quase impronunciável: “trg”. Isso mesmo. Há que dar uma quebrada na língua para articular estas três consoantes. E assim vai. É de curiosidades e coincidências como estas que minha estada nesta cidade encantadora tem sido, da mesma forma, encantadora!

02 de junho de 2008