Jornal Aldrava Cultural
100 ANOS DE ARTE NIKKEY NO BRASIL


Gueixa - Déia Leal

100 ANOS DE ARTE NIKKEY NO BRASIL
Na clara manhã brasileira.

Jacob Klintowitz
Crítico de arte e Curador do Museu Brasileiro da Escultura


Ao sol da manhã
Uma gota de orvalho
Precioso diamante
Matsuo Bashô* (1644-1694)
                                                                                                                                              *tradução de Kimi Takenaka e Alberto Marsicano


   A fala dos imigrantes japoneses e de seus descendentes, os seus extraordinários feitos nas áreas dos negócios, da agricultura, da tecnologia, da cultura e das artes, está sendo justamente enumerados e louvados nestes 100 anos de imigração no Brasil. Diante desta avalanche de concretitude eu prefiro, pelo meu lado, apontar o não-dito, o sugerido, o esboçado. É aqui, nesta manifestação superior da forma, que se apresenta a magnífica contribuição da cultura japonesa ao Ocidente e, no nosso caso, ao Brasil.
   Nós poderíamos apontar a influência decisiva da arte japonesa na criação da arte moderna ocidental. Não teríamos o impressionismo, tal qual o conhecemos, não fosse o decisivo exemplo de uma arte que considerava o mundo em si mesmo, a autonomia do desenho e da cor numa representação que privilegiava o aparentemente simples, o cotidiano, e o destacava como um valor em si mesmo. Esta postura despida de ideologia e de uma visão intelectual pré-estabelecida, revelou a essência da arte e nos fez singrar o caminho de uma expressão artística de liberdade. Mas tudo isto já é muito sabido.
   A qualidade única desta cultura nos enriqueceu de duas maneiras bastante claras. A primeira, foi a presença dos artistas japoneses e de seus descendentes, ainda impregnados de tradição, que aumentou a qualidade da nossa arte com a sua experiência gráfica, a extrema sensibilidade cromática e a valorização de técnicas como a cerâmica, elevada entre nós à condição de grande arte. A segunda contribuição se dá no campo do humanismo, pois uma imigração diferenciada pela língua, costumes e aparência física, capaz de tantos feitos objetivos e de tanta qualidade social expressa no respeito aos idosos e à família, contribuiu para intensificar a já grande tolerância brasileira com o diferente, com outro, com o estrangeiro. Esta intensificação da alteridade trouxe esta paradoxal qualidade: a imigração japonesa nos tornou ainda mais brasileiros.
   A poesia japonesa foi e continua a ser objeto de profundo interesse no Ocidente, justamente pela sua capacidade de tudo sugerir, de proporcionar o estado poético, e de nada afirmar, de estar distante do discurso, do explicito. Esta poesia, da qual eu escolho Bashô como paradigma, nos leva a percepção mais intima da vida e do destino humano, sem nunca ser declaradamente um manifesto de idéias, mas de sugestões, de percepções e iluminações sobre o mundo e o homem no mundo.
   “Sendas de Oku”, viagem e peregrinação do mestre Matsuo Bashô, magistralmente traduzido por Octávio Paz, é igualmente um caminho de iluminação. Na versão da poeta Olga Savary, em 1983: “Os meses e os dias são viajantes da eternidade. O ano que se vai e o que vem também são viajantes. Para aqueles que deixam flutuar suas vidas a bordo dos barcos, ou envelhecem conduzindo cavalos, todos os dias são viagem e sua casa mesma é viagem”.
   Não conheço nada melhor para homenagear a viagem de 100 anos da imigração japonesa.


*Trilha estreita ao Confim. Bashô. Editora Iluminuras. 1997.
Sendas de Oku . Matsuo Bashô. Roswitha Kempf Editores. 1983.