A fala dos imigrantes japoneses e de seus descendentes,
os seus extraordinários feitos nas áreas dos negócios,
da agricultura, da tecnologia, da cultura e das artes, está sendo
justamente enumerados e louvados nestes 100 anos de imigração
no Brasil. Diante desta avalanche de concretitude eu prefiro, pelo meu
lado, apontar o não-dito, o sugerido, o esboçado. É
aqui, nesta manifestação superior da forma, que se apresenta
a magnífica contribuição da cultura japonesa ao
Ocidente e, no nosso caso, ao Brasil.
Nós poderíamos apontar a influência
decisiva da arte japonesa na criação da arte moderna ocidental.
Não teríamos o impressionismo, tal qual o conhecemos,
não fosse o decisivo exemplo de uma arte que considerava o mundo
em si mesmo, a autonomia do desenho e da cor numa representação
que privilegiava o aparentemente simples, o cotidiano, e o destacava
como um valor em si mesmo. Esta postura despida de ideologia e de uma
visão intelectual pré-estabelecida, revelou a essência
da arte e nos fez singrar o caminho de uma expressão artística
de liberdade. Mas tudo isto já é muito sabido.
A qualidade única desta cultura nos enriqueceu
de duas maneiras bastante claras. A primeira, foi a presença
dos artistas japoneses e de seus descendentes, ainda impregnados de
tradição, que aumentou a qualidade da nossa arte com a
sua experiência gráfica, a extrema sensibilidade cromática
e a valorização de técnicas como a cerâmica,
elevada entre nós à condição de grande arte.
A segunda contribuição se dá no campo do humanismo,
pois uma imigração diferenciada pela língua, costumes
e aparência física, capaz de tantos feitos objetivos e
de tanta qualidade social expressa no respeito aos idosos e à
família, contribuiu para intensificar a já grande tolerância
brasileira com o diferente, com outro, com o estrangeiro. Esta intensificação
da alteridade trouxe esta paradoxal qualidade: a imigração
japonesa nos tornou ainda mais brasileiros.
A poesia japonesa foi e continua a ser objeto de profundo
interesse no Ocidente, justamente pela sua capacidade de tudo sugerir,
de proporcionar o estado poético, e de nada afirmar, de estar
distante do discurso, do explicito. Esta poesia, da qual eu escolho
Bashô como paradigma, nos leva a percepção mais
intima da vida e do destino humano, sem nunca ser declaradamente um
manifesto de idéias, mas de sugestões, de percepções
e iluminações sobre o mundo e o homem no mundo.
“Sendas de Oku”, viagem e peregrinação
do mestre Matsuo Bashô, magistralmente traduzido por Octávio
Paz, é igualmente um caminho de iluminação. Na
versão da poeta Olga Savary, em 1983: “Os meses e os dias
são viajantes da eternidade. O ano que se vai e o que vem também
são viajantes. Para aqueles que deixam flutuar suas vidas a bordo
dos barcos, ou envelhecem conduzindo cavalos, todos os dias são
viagem e sua casa mesma é viagem”.
Não conheço nada melhor para homenagear
a viagem de 100 anos da imigração japonesa.
*Trilha estreita ao Confim. Bashô. Editora Iluminuras.
1997.
Sendas de Oku . Matsuo Bashô. Roswitha Kempf Editores. 1983.